Leandro Augusto de Rezende
Talvez nem os mais otimistas e idealistas que apostaram ou acreditaram religiosamente no projeto de destruição do ensino médio sob o slogan “Reforma do ensino médio” empreendido por Temer e Mendonça Filho em 2016/2017, assessorados por oligopólios empresariais e bancos privados ocultados sob a alcunha de “Fundação”, poderiam prever a rapidez de seus (nada) exitosos resultados já em seu processo de implementação na educação pública de Minas Gerais em 2023: salas esvaziadas devido ao alto índice de evasão escolar, brutal extensão da carga horária escolar sem qualquer estrutura, fragmentação da carga horária de professores e professoras, diminuição da carga horária das disciplinas. Implementação feita à toque de caixa pela gerência empresarial-liberal que ocupa o governo do Estado de Minas Gerais, sem qualquer diálogo com a categoria.
Implementação que ao formalizar aquilo que foi trazido pela “Reforma do ensino médio” – cuja sequência foi a não menos famigerada BNCC – demonstra que todas as denúncias e críticas, produzidas por especialistas e por institutos de educação vinculados a instituições de nível superior Brasil afora, em relação a esse projeto de destruição do ensino médio, sobretudo da educação pública, não eram infundadas.
Inspirados pela forma generalista em que se estrutura o “Novo ensino médio”, pretensamente “organizado” pela gerência empresarial-liberal que ocupa o governo do Estado de Minas Gerais, poderíamos defini-lo por inúmeros adjetivos, nada agradáveis. Contudo, mesmo aquilo que nos causa indignação, repulsa, precisa ser compreendido, sobretudo pelos impactos que causa à realidade, principalmente à realidade daqueles e daquelas cujo legado imposto pela sociedade capitalista se resume às sobras que caem da mesa da burguesia e de seus representantes liberais: a realidade da classe trabalhadora.
Em seu atual processo de implementação, podemos ver claramente que o antigo ensino médio, como até então era estruturado, mediante conteúdos científicos formalizados em disciplinas a partir de suas especificidades, compartimentadas em campos de conhecimento, assume um perfil que não mais media alunos e alunas ao ensino superior, no intuito de fornecer uma base para este acesso, mas, intermedia quem “deve” ter esse acesso na sociedade e quem “deve” ocupar uma outra função nela.
Inicialmente, o “Novo ensino médio” nada mais que substitui disciplinas estruturadas a partir de conteúdos científicos e campos de conhecimento por “itinerários” e/ou “interáreas”, neologismos, eufemismos trazidos para valorar meros temas amorfos que diluem, deformam e enclausuram os conteúdos dos campos de conhecimento, colocando-os à serviço dos temas a serem legitimados enquanto disciplinas. Temas a serem ofertados para a suposta “escolha individual” de escolas, sobretudo de alunos e alunas do ensino médio. Um sistema que coloca conteúdos científicos à serviço da construção de um senso comum neoliberal, devido aos temas trazidos – como “Projeto de vida”, “Educação financeira”, “Empreendedorismo”, “Cidadania”, etc.
Fundamentalmente, são temas que, embora aparentem ter sido escolhidos a esmo, justificados pelo formalismo da BNCC e pela retórica da casta do executivo que ocupa o governo do Estado de Minas Gerais, possuem um único fim: os interesses do “mercado”, mais precisamente interesses particulares e privados representados pela autointitulada “gestão” no governo. Temas que selecionam qual tipo de força de trabalho precisa ser “formada”, produzida e reproduzida, para ocupar vagas em conformidade com a nova reestruturação produtiva – atualmente, baseada na informalidade e na precarização do trabalho –, no intuito de reestabilizar a equação exploração do trabalho e manutenção das taxas de lucro.
Fato comprovado pelas “duas medidas” trazidas já pelo texto da tida reforma: se há a obrigatoriedade do ensino público em se readequar à estrutura de precarização do “Novo ensino médio”, o ensino privado, por seu caráter institucional (empresa), PODE se adequar, portanto, tem liberdade para organizar disciplinas e conteúdos em acordo com a BNCC. E é aqui que se amplia o fosso socioeconômico que já existe entre alunos do ensino público e da rede privada, na sua relação com o acesso ao ensino superior, diante do projeto liberal imposto pelo “Novo ensino médio” – que, em Minas Gerais, atende por “Novo currículo de Minas”.
Assim, diante das formas de acesso às universidades públicas e privadas – ENEM e vestibulares – que seguem tendo como base os conteúdos científicos necessários à realização dos cursos superiores, teremos dois públicos distintos: de um lado, aqueles e aquelas formados por conteúdos científicos, do outro, aqueles e aquelas (de)formados por meros temas genéricos. Ou seja, se antes tais públicos eram antagonizados por caracteres socioeconômicos, impostos e cimentados historicamente, a partir do “Novo ensino médio”, o tipo de “conteúdo” ofertado se soma a esse projeto de exclusão social.
Na arquitetura desse projeto neoliberal, a burguesia autóctone deixa de atacar e minar a educação pública, portanto, a educação da classe trabalhadora, “de cima”, mediante a eleição de seus representantes – “moderados” ou fascistas – e seus projetos austericidas de cortes de gastos que precarizam a educação no Brasil historicamente, para atacar e minar a educação pública “de dentro”, a partir do momento em que o “Novo ensino médio” – leia-se o ensino médio neoliberal – equaciona conteúdo e forma para a “formação” de gerações de “chão de fábrica”, prestadores de serviços, trabalhadores e trabalhadoras informais: precariado.
No modo segregacionista que estruturou a sociedade brasileira, em que populações pobres e periféricas são alijadas historicamente do acesso à direitos constitucionais, esse novo ensino médio neoliberal retira o direito à educação de milhões de jovens Brasil afora. Covardemente, esse projeto liberal impõe a esses jovens a “liberdade de escolha” sobre sua educação, impõe a escolha sobre se “querem” estudar ou trabalhar, como se esse querer estivesse totalmente associado a uma escolha individual – como pregam liberais e seu subproduto anarcocapitalistas –, e não condicionado por uma situação socioeconômica historicamente imposta. Situação que torna-se ainda mais trágica no atual momento em que o desemprego e a precarização da renda média de trabalhadores e trabalhadoras no Brasil é consequência de um “projeto de governo” que atuou de 2016 até 2022.
Não por acaso esse modelo de adestramento de corpos e mentes pobres e periféricas, trazido enquanto “modelo de ensino” para ser imposto a classe trabalhadora brasileira, sobretudo após um golpe de Estado (2016), foi colocado em prática sob o regime de Estado militarizado dos liberais que obriga pessoas a revirar lixo para comer. Regime que segue inspirando pretensos “governos” estaduais Brasil afora, como é o caso de Minas Gerais.
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