Flavia Renata Guimarães Moreira1
Rebeca Cristina Nunes Lloyd Gonçalves2
Ser mulher jovem, adulta ou idosa, numa sociedade fortemente influenciada por culturas machistas, sexistas, misóginas, racistas, xenofóbicas/etnocêntricas, dentre outras, é um desafio por si só. Os estereótipos marcadores de gênero dificultam de forma significativa a qualidade das relações e os avanços quanto às necessárias mudanças de mentalidade e comportamento.
Pensar a partir do conceito de interseccionalidade, ao se analisar a trajetória de mulheres da Educação de Jovens e Adultos (EJA), pode ser um caminho para a conscientização. A interseccionalidade aponta para a existência de eixos de opressão, pois “[…] a opressão não é contra uma parte da pessoa que é subalternizada; ao contrário, a opressão é contra o sujeito inteiro, como um todo.” (FERREIRA, 2014, p. 109) e, na dinâmica e nos antagonismos das classes sociais, as experiências dos sujeitos se imbricam na articulação de gênero, raça e sexualidade.
Paradoxalmente, a mesma sociedade que discrimina, torna desigual as condições de existência/vida, promove e pratica violências contra as mulheres é aquela que as vê fundamentalmente necessárias no exercício de algumas funções, desde que estas não estejam ligadas à liderança, desde que não deem às mulheres visibilidade ou prestígio.
A pandemia deixou evidente a desproporcional divisão de tarefas no ambiente doméstico entre mulheres e homens. Após pouco mais de um ano de enfrentamento desta realidade, as constatações: mulheres mais oprimidas, cansadas, sobrecarregadas, exaustas, expostas a muito mais horas e tipos de violências no ambiente doméstico, dentre outras circunstâncias, em contraponto ao contexto masculino, no qual os homens prosseguiram com suas rotinas, com menores impactos. Por vezes, para as mulheres, somaram-se questões domésticas às laborais; eles, porém, quase que somente alteraram o local de exercício do trabalho, passando a atuar em suas residências e a distância.
No cenário brasileiro, percebemos corpos sendo alvos das estratégias necropolíticas, materializados nas mulheres pobres e periféricas, na população carcerária, na população LGBTQIA+, nos moradores de rua e/ou das periferias, nas emergências hospitalares, entre outros segmentos (LIMA, 2018), aqueles frequentemente acolhidos na EJA e que buscam nesta modalidade de ensino uma forma de ressignificar suas trajetórias.
Quanto às realidades das mulheres na EJA, devemos considerar que, concomitantemente às dificuldades que há para que elas possam manter a vida escolar em processo contínuo, há aquelas aqui relacionadas. O contexto da pandemia intensificou isto e acabou por contribuir com que algumas delas forçosamente optassem pela interrupção da trajetória escolar, ainda não tendo encontrado formas de retomar os estudos, ou por terem ficado desempregadas neste período, enfermas, voltadas para os cuidados dos(as) filhos(as), dos(as) idosos(as) da família, dos cônjuges, ou porque passaram a depender destes para seu sustento. Há aquelas que enfrentaram processos de divórcio, de perdas/danos de toda sorte, inclusive emocionais. O direito à educação anteriormente negado a elas continua a ocupar o lugar da negação.
Bell Hooks (2013) alertava sobre a importância de se politizar a sala de aula e sobre considerar que, com base nas dores advindas da experiência colonial, produzíssemos teorizações e novas figurações políticas que criassem deslocamentos no cotidiano escolar cujo intuito fosse transformar a mentalidade de estudantes − e de professoras(es) − tão sofrivelmente inseridas(os) em dinâmicas perversas proporcionadas pela supremacia branca, capitalista e heterocentrada.
Não é uma tarefa fácil alterar a realidade, tampouco fazer com que a sociedade, em definitivo, respeite o lugar de fala da mulher, repensando as abordagens e posicionamentos envolvendo questões de gênero, etnia e papel social das mulheres, os quais atualmente estão distantes das condições dignamente aceitáveis. E não há dúvidas de que a Educação Decolonial seja o caminho e de que a EJA se faz imprescindível nas propostas de restituição do direito negado às mulheres, o qual poderá ser restituído no contexto em que elas resgatem diversos fios de linguagens, como nos afirma Kolleritz (2004), espelhando a conquista de falar sobre si pela própria voz, pois, por muito tempo, a mulher foi um ser sem lugar discursivo. Oliveira (2017, p. 381) analisa que a produção de conhecimento, de história, de verdades e de teorias é ainda um “privilégio epistêmico” de um grupo composto por vozes masculinas e ocidentais. E é papel de todos(as) mudar a história.
1Professora na Rede Municipal de Educação de BH. Mestre em Educação pela FaE/UFMG.
2Professora na Rede Municipal de Educação de BH. Mestre em Educação pela FaE/UFMG.