Como me tornei professora? Primeiro, frequentei a Escola Normal. Em seguida, fui convidada (contratada) a dar aulas num grupo escolar. Depois, aprovada em concurso público para professora primária, passei a ocupar “meu” lugar na sala de aula. Mas não me iludo: essa linearidade só responde parte da minha questão inicial!
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Ser professora não estava nos meus sonhos, na infância! Oscilava entre aqueles originados da rebeldia aos limites maternos (os que eu considerava injustos e incompreensíveis) e os que advinham do puro deleite de ficar desligada de tudo ao redor, só imaginando. No primeiro grupo, eu seria uma artista de circo ou a integrante de um bando de ciganos. Quase sempre, quando um desses grupos se instalava nas proximidades da casa dos meus pais, eu sonhava em ser cigana ou equilibrista. No segundo grupo, sempre me imaginava num palco, às vezes como bailarina, às vezes como cantora. Em ambas situações, claramente, eu desejava ardentemente fugir de tudo que fosse parecido com a minha vida.
Aos poucos, na adolescência, o desejo de trabalhar num circo ou junto aos ciganos foi se apagando, permanecendo os sonhos com o palco: como cantora ou atriz, não mais como bailarina. Esse foi o tempo em que comecei a dar aulas particulares de Português para meus colegas e outros alunos com dificuldades de aprendizagem. Como eu ensinava? Explicava a matéria, dava exemplos, passava exercícios. Esse era o rito! Fui compreendendo que quanto mais eu soubesse sobre um assunto, mais facilidade eu teria para transmiti-lo. Alguns professores me serviram de modelo, dentre eles minha mãe, com suas aulas de corte e costura.
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Fazer o Curso Normal não foi uma escolha. Na pequena cidade onde morava, após o ginásio, as “meninas” iam ser normalistas e os “meninos” iam fazer Contabilidade. Isso, para a minoria que fosse continuar os estudos – parar de estudar não era uma escolha oferecida por meus pais! Assim, a Escola Normal foi o destino de poucas mulheres, ali naquele tempo e lugar. Algumas vinham de outros locais: a escola funcionava em regime de externato e internato. A ampliação das minhas experiências, pelo contato indireto com outros mundos (tinha colegas do norte ao sul de Minas Gerais), foi uma novidade estimulante!
O currículo do novo curso também guardava surpresas. A maior e melhor delas? O estudo da Psicologia. Saber que o desenvolvimento humano passava por etapas, isso eu já vinha observando. Mas, constatar o grande volume de conhecimentos, seus detalhamentos, os estudos que lhes deram origem, foi fascinante.Além da Psicologia Evolutiva, a Psicologia da Aprendizagem com seus testes e modos de classificar as pessoas, seus temperamentos, sua inteligência. A Biologia Educacional dava as bases fisiológicas desse estrato psíquico. Saber essas coisas me fazia sentir poderosa!
Estudávamos também a Didática Geral e as Didáticas Especiais (metodologias de ensino). Aprendi sobre o ritmo e entonação de voz para se fazer um Ditado, a graduação das dificuldades no trabalho com a ortografia, as etapas da alfabetização pelo método global de contos, a técnica para solução de problemas e ensino dos fatos fundamentais na matemática, a memorização da tabuada… muitas coisas, enfim! Mas não aprendi a me relacionar com as crianças – a relação adulto-criança. Estudei sobre motivação, sobre interesses infantis, mas não aprendi a ouvir a criança! Aprendi História da Educação da antiguidade e Sociologia Geral. Nada sobre a realidade histórico-social brasileira. Ao final, colei grau, com direito a anel e tudo! Eu era uma normalista, não me imaginava professora. O palco ainda ocupava meus sonhos…
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O convite para uma substituição no grupo escolar chegou no último semestre da Escola Normal. Não me recordo dos meus sentimentos, mas meus pais estavam orgulhosos! Recomecei o trabalho no ano seguinte, já agora com um contrato para todo o período letivo. [No Memórias da Escola 1, narro a experiência com essa minha primeira turma].
O corpo docente do grupo escolar era composto por professoras efetivas, com larga experiência de magistério. Eu era a única novata, contratada, mais jovem. E muito falante! A sala dos professores (sic), na chegada e na hora do recreio, o lugar das conversas. Eu falava, com entusiasmo, das novas técnicas pedagógicas que aprendera na Escola Normal, das minhas leituras. Talvez, no fundo, sentisse ali como um palco particular e minhas colegas, uma plateia atenta…
Não sei bem em que data, foi marcada uma reunião com a inspetora seccional. Isso sendo dito e repetido com antecedência. A ênfase – reunião pedagógica – continuamente reforçada. No dia da reunião, a escola ficou revestida por um clima de solenidade e silêncio. Numa sala de aula regular, nós professoras, ocupávamos as carteiras dispostas em fila, enquanto, à frente, a inspetora falava. O assunto: ética profissional, o jeito certo de uma professora se comportar. Como neófita, recebi esses ensinamentos naturalmente, como se fosse parte da rotina.
A “notícia” chegou à casa dos meus pais. Minha tia, cantineira da escola, comentou: – Coitada da Cleide, fizeram uma reunião com a seccional só por causa dela! Minha mãe, por sua vez, também não me poupou. Senti o mundo ruir sob meus pés! Desilusão, raiva, vergonha, tristeza vieram juntos com o choro. Uma forma dura de aprender sobre a própria ingenuidade, de passar de normalista à professora!
Fazer o concurso, ser efetiva, tornou-se meta. As ilusões com o magistério deram lugar à realidade crua das relações interpessoais, à visão da escola “por dentro”, às pessoas de carne e osso e não às idealizações projetadas nos sonhos. Por conta das contingências da vida, “fiquei” professora. E, durante todo o tempo, oscilei entre a alegria e a tristeza, entre a plenitude e a frustração, entre o orgulho e a vergonha…Ser professora não é fácil!
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Com o tempo, fui compreendendo que gosto de ensinar de um a um, como na minha experiência inicial das aulas particulares. Na sala de aula, isso quase não foi possível. Nesse espaço coletivo, meus melhores momentos, aqueles de maior prazer foram os que fiz da sala, um palco. Talvez, a arte de ensinar seja isso…
Imagem de destaque: pch.vector