Me ajuda a pensar…

Analise da Silva

Olá! Sou a Analise da Silva. Há 16 anos sou professora da Faculdade de Educação na UFMG e nos 29 anos anteriores fui docente da Educação Básica. Foram 29 na Rede Municipal de Belo Horizonte e destes foram 21 com turmas de EJA, concomitantes com 5 na Rede Estadual de Minas Gerais e 9 no Setor Privado. Fiz dois pós-doutorados em Educação de pessoas Jovens, Adultas e Idosas.

Estou aqui estudando para uma palestra sobre o Plano Nacional de Educação (PNE 2012/2024) – Lei 13.005/2014 que tem validade se encerrando. Estamos em 2024 e, dez anos depois, o Brasil não conseguiu cumprir a meta de zerar o número de pessoas com 15 anos ou mais não alfabetizadas. Mais que indignação, causa preocupação. 

A consolidação da educação de pessoas jovens, adultas e idosas (EJA) como política pública é fundamental para o efetivo crescimento econômico do país. Começando pela reabertura de turmas, porque pesquisas dão conta de um número assustador de fechamento de turmas, de turnos e até de escolas inteiras; passando por compreender que o número de estudantes nestas turmas precisa ser adequado e reduzido; e coroando com o entendimento de que não se trata de estudantes que trabalham, mas sim de pessoas trabalhadoras que estudam. 

Pessoas que são em sua maioria negras, como nós que estamos ou estivemos em sala de EJA sabemos e as pesquisas atuais ainda confirmam. Quando a gente cruza as categorias idade e raça, a situação se agrava ainda mais, pois a taxa de pessoas brancas com 60 anos ou mais não escolarizadas é de quase 9%, enquanto entre as pessoas negras é mais que o dobro, chegando a 23%. Reflexo de 388 anos de escravização da qual quando as pessoas foram libertadas não tinham direito a nada, nem trabalho, nem moradia, nem escola. 

Não se pode ignorar as pessoas com 15 anos ou mais, alfabetizadas, que não completaram a educação básica quando eram crianças e adolescentes e que, portanto, precisam de uma política pública de Estado que lhes garanta elevação da escolaridade e continuidade dos estudos. 

Uma política pública que reconheça a complexidade da EJA, que vai muito além de alfabetização e letramento e que se trata de garantia de direito à educação com qualidade social à população jovem, adulta e idosa empobrecida e periferizada. Portanto, educação plena, que não se restrinja à alfabetização e à integração à educação profissional técnica e que resgate realmente o direito à escolarização roubado dessas pessoas. 

Certa e lamentavelmente, a meta de escolarizar 93% das pessoas que não tem Educação Básica completa estabelecida para 2024 não será alcançada. São 85 milhões de pessoas. Isso é 42% da população do nosso país. Em Minas Gerais são 53% e em Belo Horizonte 34%. 

Nós ainda vamos demorar pra conseguir, porque o monitoramento da Meta 10 do atual PNE denuncia o abandono da EJA por parte dos governos. Abandono seguido de desmonte. Apenas 2%, das 2 milhões e 900 mil matrículas de EJA são integradas à profissionalização. E essa tragédia desse Novo Ensino Médio aprovado pela Câmara retoma o ideário tecnicista e a oferta dual da 5692/71, mantendo estudantes pobres longe da Educação Superior. É uma tragédia anunciada. E intencional. 

Quando algum governo quiser cumprir a constituição realmente, a EJA será pautada pela qualidade social e, para tanto, deverá prever um processo de gestão e financiamento que assegure isonomia de condições de ofertar EJA em relação às demais etapas e modalidades da educação básica, bem como a implantação de um sistema integrado de monitoramento e avaliação, além de uma política de formação permanente específica para pessoas futuras docentes que atuarão com turmas de EJA e para quem já atua com EJA, pois você e eu sabemos que é muito importante maior alocação do percentual de recursos para estados e municípios com efetivação do Custo Aluno Qualidade. 

Para isso, será necessário um esforço ainda inédito: alçar a EJA ao status de política de Estado. Uma política que contemple ações como o programa Brasil Alfabetizado, o PROJOVEM, o PRONERA, o Olhar Brasil… Lembra-se deles? Então, precisa ser uma política. Não pode continuar sendo programas desconectados. Precisa promover e garantir a ampliação da escolarização, voltados para que encontrem vagas, para que tenham condições de permanecer estudando sem ter que parar novamente para garantir sua sobrevivência e para que se apropriem do conhecimento que é direito dessas pessoas assegurado na constituição e construído pela humanidade, a partir da necessidade de tempos, espaços e currículos diferenciados para assegurar o direito à educação de todas as pessoas trabalhadoras desse país.

Enquanto preparo minha palestra, fico aqui pensando o que mais eu posso fazer pra contribuir com a garantia de condições para superar esse absurdo de 85 milhões de pessoas no País sem EB concluída. Isso deve ser encarado como prioridade nacional, e para tanto devem ser asseguradas condições, especialmente financeiras. Além da alfabetização, é necessário garantir oferta e condições de continuidade de escolaridade no sistema público de ensino para jovens, adultos, e idosos, e implementar políticas públicas que promovam a integração da EJA com setores da saúde, do trabalho, meio ambiente, cultura e lazer, entre outros, na perspectiva da formação integral dos cidadãos. 

E, sim, estamos muito longe disso, porque não há vontade política. Isso não dá voto, não dá retorno imediato e por isso é negligenciado.

Mas, e nós? O que a gente pode fazer pra reverter isso, além do que a gente já faz? 

Quero MUITO ler você nos comentários.

Sigamos

1 comentário em “Me ajuda a pensar…”

  1. Maria da Conceição Paiva

    Infelizmente não se cumpriu a meta 10 do PNE, foi totalmente negligenciada. Muitos municípios alegaram que as salas tinham poucos alunos e que manter professores, merendeiras, luz e água para um público pequeno era prejuízo. Em minha cidade Viçosa, cidade universitária UFV, a secretária de Educação arbitrariamente fechou todas as salas da EJA, dizendo ser prejuízo para o município. Questionamos na época e até, será Educação mercadoria? Hoje em nossa cidade temos um público enorme entre 15 anos e 35 anos que não completaram a Educação Básica. Não há interesse do poder público, nem fornecer educação muito menos gerar emprego. É mais fácil manipular quem não tem voz e vez.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *