Editorial da edição 313 do Jornal Pensar a Educação em Pauta
O Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento iniciado em 2018 e decidiu, esta semana, que o juiz Sérgio Moro foi parcial ao julgar o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com isso, anulou todos os atos referentes ao julgamento em que Lula foi condenado por uma suposta corrupção envolvendo o famoso “triplex do Guarujá”. Para alguns Ministros e parte da opinião pública, a Suprema Corte brasileira estaria fazendo justiça ao presidente e devolvendo a justiça do país à sua legalidade.
Nada mais enganador do que a ideia de que a justiça está sendo feita. Justiça que tarda, é justiça que já falhou. Mas não é apenas isso. Se considerarmos que da condenação de Lula neste processo derivou, imediatamente, o seu afastamento das eleições presidenciais de 2018 e a ascensão e vitória de Bolsonaro no pleito, há que se considerar que a injustiça foi feita com o conjunto da população brasileira que, desde 2019, amarga ver na Presidência da República um sujeito em tudo inepto para o exercício do cargo. A considerar os genocidas resultados das políticas de Bolsonaro et caterva no Brasil nos últimos anos, especialmente durante a pandemia, há que se perguntar: como se fará justiça às centenas de milhares de pessoas mortas graças à negligência e leniência de um governo que por ação ou omissão o Supremo Tribunal Federal ajudou a eleger?
A parcialidade e o pré-julgamento de que foi vítima o ex-presidente seriam considerados ilegais e indecorosos em qualquer tribunal do mundo, como já vinha sendo denunciado por juristas de vários países. E, infelizmente, longe de ser um caso isolado, reflete o funcionamento cotidiano da justiça brasileira. Imaginemos nós, por um momento, a seguinte questão: se fazem isso com um cidadão reconhecido no mundo inteiro e que foi a autoridade máxima da nação por 8 anos, o que não fariam (o que não fazem) com os cidadãos comuns que chegam às barras do tribunal? Alguém que não tivesse os recursos que tem o ex-presidente, os quais ultrapassem em muito os imprescindíveis recursos financeiros, teria o seu julgamento revisto?
Todos nós sabemos que a justiça brasileira sempre foi, e é, seletiva, preconceituosa e atua para garantir as condições para a reprodução e aumento de nossas vergonhosas desigualdades. Atua, igualmente, para a criminalização das populações mais pobres e para a criminalização e encarceramento da população negra brasileira.
No entanto, tão grave quanto a parcialidade e os preceitos de que a população negra e pobre está sujeita quando chega aos tribunais é o fato de que, boa parte dela, jamais chega a ter um julgamento. A população encarcerada brasileira está entre as maiores do mundo. São centenas de milhares de presos(as), em sua maioria negros e negras, esperando um julgamento que pode demorar anos ou, simplesmente, nem acontecer.
O sistema de justiça ou, se preferirmos, de injustiça brasileiro, operado em sua quase totalidade por sujeitos masculinos, brancos e oriundos das camadas mais ricas da população, atualiza continuamente os preconceitos raciais, de gênero e classe, para dizer apenas de alguns deles, que marcam a nossa história e que estão na base de boa parte de nossas desigualdades e violências as mais diversas. O que pudemos assistir acontecendo com o ex-presidente Lula, infelizmente, é apenas o ponto de um enorme iceberg da injustiça brasileira que, em sua movimentação, destrói vidas de dezenas de milhares de pessoas todos os anos no país.
Um sistema de justiça parcial e leniente, é isto que temos; e isso não mudou com a decisão sobre a ativa parcialidade do juiz Sérgio Moro. A decisão do Supremo Tribunal Federal não isenta o órgão da responsabilidade que teve, e tem, no acobertamento as atrocidades jurídicas perpetradas pelos ex-juiz federal e seus auxiliares do Ministério Público. Tardia, a decisão jamais fará justiça às centenas de milhares de mortes pelas quais tais procedimentos podem ter causado. Do mesmo modo, nada no sistema de justiça brasileiro se modificou para trazer ao cidadão e à cidadã comuns, em seu dia a dia, julgamentos justos e imparciais, que independam de sua condição econômica, do seu local de moradia ou da cor de sua pele.
Se tudo isso aconteceu com o ex-presidente Lula, com a participação ativa de milhares de agentes públicos, aí incluídos vários órgãos federais, de dezenas de órgãos de imprensa e milhares de jornalistas e com o beneplácito de boa parte das instituições da sociedade civil, o que aconteceria se fosse qualquer um ou uma de nós? É essa pergunta, e sua inconveniente resposta, que temos que levar em conta em nossa atuação, em todos os recantos do país, inclusive nas escolas, para manter vivas a fome e a sede de justiça para todas, todes e todos.
Imagem de destaque: Fotos Públicas / Isac Nóbrega