_ Paiiii! Para de contar isso! Eu não conhecia o nome.
Passou o susto, não passou a história. Adaptada à plateia, assumia diferentes tons. Cena e tema miravam o espectador. Quanto mais familiar, mais recontada. A leveza ficava por conta do léxico. Derivativo. Criativo. Nominal. E as crianças estavam cansando da repetição. Da cena em si, ficara o aprendizado: lagartixas e bigornas conviviam em campos distintos. Se bem que… quem sabe!? A língua corresponde à maior invenção da humanidade. A natureza prevalecia. Incontestável, em se tratando de Sophia. E quanto ao Arthur, o acesso à língua transcorre processualmente. Cabe/chu/da pertencia às fofurices do aprendizado. E bigui, um recorte de apropriação da fala. Sophia! Bigorna! Irmã mais velha. Uma paleta de exemplos.
_ Pai! Eu tenho o direito de pensar em…em… palavras que contam o mundo!
_ Matemática não é a minha área, filha.
_ Não estou falando de matemática!
_ Então, talvez, você poderia estudar os dicionários.
_ Dicionários, pai? Não tem histórias. Só palavras. Só palavras.
_ Então…
_ O meu problema não são as palavras. É aprender sobre bigornas e lagartixas. Credo!
E Sophia levou a sério o aprendizado. Tirou do conforto a família e os parentes. Os vizinhos também. Toda a sorte de livros sobre répteis serviu para a pesquisa. As bigornas, pareciam esquecidas.
_ Pai, você fala latim?
_ La…
_ Nem vem, pai. Isso é ridículo! Você ééé o adulto nessa conversa.
_ Sério, filha? Bom, não falo. Nem a sua mãe.
Durante uma semana, pouco mais, Sophia buscou traduzir nomes de répteis dentro das famílias e espécies. Se durou mais, a casa agradeceu o silêncio.
_ Lapi/chaaaaaa…. – Arthur, aos gritos, chamou para a reunião no jardim.
_ Filho… você me mata de susto! Onde está Sophia?
_ Na schaaaaa/la…
_ O … o que foi, Arthur? O que foi?
_ Lapi/cha… li…
Uma lagartixa observava o rebuliço. Uma lagartixa preparava a retirada.
_ Filho…é…é…la-gar-ti-xa. – Nessas horas todas as mães querem ser pediatras ou pedagogas. Seria a hora de insistir? Traumatizar? A dúvida não criou cabelos. Sophia, solenemente, interpela a mãe.
_ Na verdade, mãe…o meu bebê está corretíssimo. Lapixa é outro nome para esse réptil tão…tão… – suspiro! – pequeno e gelado.
_ Será?
_ Tem mais. Quer ver? Bebezinho da Sófi, diz os outros nomes da nossa… hum!.. amiguinha para deixar em paz. Diz!
_ Biba…viba…lami-lami…cocodil…tata/tuia…labi…titiq..o/sch/gaaaaaaaaaaaa – alegria tem nome. Essa saiu com o alfabeto inteiro.
_ Traduzindo, mãe: briba, víbora, lapixa, crocodilo de parede, taruíra, lambioia, tiquiri e osga! Tendeu? São alguns nomes. Depende da região.
Ah! Medicina e pedagogia! Deveria ser curso obrigatório para mães. Precisava pensar, se sobrasse espaço. Era excelente administradora. Diziam-lhe no trabalho. Em casa, a intuição não se fazia suficiente. Diante daquele show de conhecimentos des/necessários, acariciou os filhos e retirou-se. Pensar. Mães pensam muito depois de parirem os seus. Muito. Osgas. Gostara desse.
Sophia embrenhou-se em leituras. O irmãozinho à cola. Lia em voz alta. Levantava a voz para ler. Arrastava Arthur para os laboratórios de pesquisa no jardim. Conjecturas. Considerações. Foram dias de muitas conversas entre ela e o irmão menor. Preocupados, os pais discutiam sobre ser uma fase, ou…ou o quê? Tirar os livros da menina? Afastar Arthur? Eram textos inofensivos. Melhor deixar como se passava. Monitorar. Mas não impedir Sophia de estabelecer as suas estratégias de investimento. Até o momento em que metáforas se tornaram pedregulhos.
_ Sophia! Sophia!
_ Tá na ca/jiiiii/nha… na ca/jiiii/nhaaaa…
_ Que casinha, Arthur? Como assim?
_ Ca/jiiii/nhaaaa! ca/jiiii/nhaaa! – grita e pula o menino.
Procura e procura, a menina não responde aos chamados. Arthur insiste: na ca/jiiii/nhaaaa.
Por fim, a irmã é encontrada no quarto antes revirado.
_ Onde você estava, minha filha? Não ouviu os chamados? Onde se escondeu?
_ Não me escondi, mãe.
_ Mas é claro que se escondeu! Entrei no seu quarto e não estava lá. Chega de sustos, Sophia!
_ Mãe, eu estava lá! em minha casa!
Aconselhamentos. Sophia ouvia a tudo sem pestanejar. Enquanto Arthur sacudia o corpo de um lado para o outro, a menina representava a sisudez. Aquilo fugia do controle.
_ Mãe… – pausa para calibrar a voz –, você está misturando palavras. Eu não sou “aquilo”. Sou Sophia. Sua filha mais velha. A primogênita. E…
_ Para de interpretar, Sophia! – interrompe a mãe, com a paciência esgotada! A pandemia era bem maior do que se contava.
_ Não estou interpretando. Acho que você queria dizer “representar”, mãe. E como eu dizia, eu estava na minha casa. Tendeu?
Às vezes, as perguntas atrasam a conclusão. Mas há de se perguntar e honrar as consequências. A mãe ouviu, com o coração na mão e o esgotamento no teto.
_ Mãe, fiz dos livros a minha casa! Eu os habito. Tá? E. eles habitam em mim.
Aquelas metáforas tinham sentidos. A mãe pensou na fase como uma linha reta. Crescente. Carregada de labirintos. Cotovelos. E os monstros?
_ Sem monstros, mãe. Você me ensinou que eles fazem parte da imaginação.
_ Interpretação…, eu…eu acho, filha!
_ Na-ão! Pensa… pensa, mãe!
Olhos de jabuticaba piscaram em longa consideração.
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