Ramuth Marinho1
“Tu não tens culpa meu amor que o mundo seja tão feio Tu não tens culpa meu amor de tanto tiroteio Vais pelas ruas chorando Lágrimas de ouro” Lágrimas de Ouro – Manu Chao |
Você me quer justo
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Em meus últimos textos para essa editoria, no ano de 2020, o impacto da pandemia de COVID-19 (ou “A peste”) sobre a oferta e organização da Educação de Jovens e Adultos (EJA) esteve na centralidade das minhas reflexões.
Infelizmente, passado mais de um ano desde o início da pandemia no Brasil, além de não enfrentarmos/resolvermos as questões educativas apresentadas nos textos supracitados, nos encontramos no pior momento de mortes pela doença (com médias superiores à 3000 mortes diárias e várias regiões do país em colapso do sistema de saúde), decorrente de uma política de enfrentamento por parte do governo federal que não teve nada de arbitrária, ou casual: como expresso nesse estudo do Cepedisa (Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da Universidade de São Paulo), houve uso de uma estratégia institucional de propagação do Coronavírus, promovida pelo atual governo.
Ao mesmo tempo, ainda pululam nas diversas redes sociais – principalmente o WhatsApp – mensagens exaltando o inexistente (e perigoso) “tratamento precoce” contra a COVID-19, a base de cloroquina , um vermífugo muito comum e vitamina D; incitação a rebeldia por parte da população às medidas de incremento do isolamento social (comumente caracterizada erroneamente como “lockdown’) por parte de alguns governadores e prefeitos Brasil afora; a ainda persistente, desqualificação da eficácia de uma ou outra vacina, a depender de seu país de origem (também falsamente identificadas como “comunistas”), entre outras miríades de mensagens de exaltação ao governo.
E sobre esse aspecto gostaria de ater-me mais demoradamente… Para além de todos os desafios atávicos comuns à história da EJA em nosso país, a efetiva e robusta reflexão sobre a democratização e acessos aos meios de comunicação informacionais – principalmente deste fenômeno novo das “redes sociais” – se faz urgente.
Para a grande maioria dos/as educadores/as de EJA que trabalham nos centros urbanos, ainda que pese a precariedade material comum em vários/as dos/as nossos/as educandos/as, a presença de telefones celulares com acesso às redes sociais (e em muitos casos, somente a essas plataformas digitais) é generalizada. Ainda que compartilhados, pelos celulares e seus aplicativos “colaborativos” passam músicas, informações, jogos, pesquisas escolares, disputas, brincadeiras, louvores, mensagens de teor proibitivo, etc, ou seja, toda uma “ecologia informacional” que interfere fortemente nos processos formativos educacionais e/ou na construção permanente de percepções de mundo, tanto dos/as educandos/as, quanto dos/as educadores/as.
E não basta ressignificar o uso do celular/informática nos processos formativos da EJA, embora isso seja quase uma exigência contemporânea… Acredito que seja também preciso um processo ainda mais complexo, indefinido aprioristicamente, de construir uma nova percepção e relação com o mundo atual, tendo por intermédio as possibilidades de compartilhamento de arquivos e experiências concretas e virtuais.
Por óbvio, os esforços acanhados de proposição que se seguem, NUNCA serão o suficiente ou minimamente necessários para tamanha tarefa hercúlea. Mas é um convite para todos(as) envolvidos/as na EJA para começarmos imediatamente essa ação de resistência que está a carcomer as bases da nossa já incipiente democracia.
Suscitar e fortalecer nos sujeitos da EJA, seja educadores(as) ou educandos(as), uma cultura crescente de criticidade no trato da informação, bem como o compromisso com a solidariedade da construção de mensagens suleadas* para o desenvolvimento coletivo. Ter como prática pedagógica fundante a pesquisa sobre análise imagética e de discursos, tornando-a componente curricular nodal, principalmente em localidades/realidades com alto índice de conectividade ou acesso às redes sociais (são situações diferentes). E articulando com outros pressupostos passados, destacados por Paulo Freire, tão importantes quanto os atuais – precisamos dobrar a reprodução do discurso de naturalização das desigualdades e hierarquias sociais, bem como recuperar o desejo e a potência do sonho de mudança.
Não é uma caminhada fácil, nem mesmo curta! Contudo, esse percurso é incontornável.
*O termo Sulear problematiza e contrapõe o caráter ideológico do termo nortear (norte: acima, superior; sul: abaixo, inferior), dando visibilidade à ótica do sul como uma forma de contrariar a lógica eurocêntrica dominante a partir da qual o norte é apresentado como referência universal. ADAMS, T.(2008) Sulear (verbete). In D. Streck, E. Redin, & J. J. Zitkoski (org). Dicionário Paulo Freire (pp. 396 – 398). Belo Horizonte: Editora Autêntica.
1Professor da Rede Municipal de Educação de BH. Membro do Comitê Mineiro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação; do Fórum Metropolitano de EJA e do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais – FEPEMG.
Imagem de destaque: Pixabay / Tumisu