Independência, Educação, e Historiografia da Educação no Espírito Santo

Regina Helena Silva Simões

Rosianny Campos Berto

Dois anos após a Independência, proclamada em 1822, a instrução pública e gratuita aparece no art. 179 da primeira Carta Magna do Brasil como “fiadora” da “[…] inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros […] (BRASIL, 2012, p. 85). Desde então, tanto no Império como no regime republicano, a ideia da centralidade da instrução pública para a formação da cidadania e para a promoção do progresso nacional tem permeado debates travados acerca da universalização do ensino público e gratuito nos diferentes níveis, da baixa qualidade da escolarização e da formação para o magistério.

Nessas circunstâncias, a aproximação do bicentenário da independência brasileira torna-se um convite para refletirmos sobre esses debates no Espírito Santo, recortando pesquisas sobre escolas e formação de professores/as capixabas, desenvolvidas no âmbito do Núcleo Capixaba de Pesquisa em História da Educação (Nucaphe). Vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, esse núcleo aglutina grande parte da produção acadêmico-científica relativa à história da educação no Espírito Santo.

No conjunto dessas pesquisas, processos de escolarização e de formação de professores pontificam como temas constantes, uma vez que a institucionalização do ensino público e gratuito tem sido uma bandeira levantada em sucessivos movimentos de defesa do direito universal à educação, da qual não se pode desassociar a necessidade da formação – inicial e continuada – de professores/as. 

No caso do Espírito Santo, ao longo do século XIX, tanto a expansão da instrução pública como a formação de professores foram abordadas por meio de iniciativas fragmentadas, destacando-se a fragilidade da Escola Normal, que veio a se consolidar somente no início do século XX. Ao final da década de 1920, uma dessas iniciativas, a Reforma Attílio Vivacqua, ecoava o movimento de “renovação” do ensino – importado da Europa e dos Estados Unidos – observado em diferentes estados brasileiros. Na instituição da escola ativa capixaba, acendeu-se o debate em torno da escola como locus da formação dos sujeitos para a vida em sociedade que, em tempos de industrialização, teria na nova pedagogia o caminho para a preparação dos indivíduos “[…] de acordo com o dynamismo da vida moderna” (VIVACQUA, 1929, p. 8).

No contexto dessa reforma, destaca-se a centralidade da formação de professores, com o objetivo de associar a expansão da oferta escolar à qualidade do ensino ministrado. Articulam-se, dessa maneira, a Escola Normal, o Curso Superior de Cultura Pedagógica (CSCP) – responsável pela formação de 36 professores e diretores de grupos escolares em serviço – e a Escola Ativa de Ensaio, esses últimos funcionando no Grupo Escolar Gomes Cardim. Após dez meses de preparação, atribuiu-se ao grupo de professores formados pelo CSCP a missão de multiplicar o ideário da escola ativa entre professores/as de todo o estado. Todo esse processo, porém, foi abruptamente interrompido pela deposição dos governantes capixabas pela Revolução de 1930.

Às vésperas do Bicentenário da Independência do Brasil, quase 100 anos após a Reforma do ensino capixaba, ocorrida entre 1928 e 1930, esse recorte da historiografia da educação capixaba indicia continuidades e descontinuidades de um longo debate acerca do direito constitucional à educação, da universalização do ensino público, gratuito e de qualidade, da formação de professores/as e da descontinuidade das políticas públicas educacionais. Nesse cenário, evidencia-se a importância de produções historiográficas que, por meio do contato direto com fontes produzidas localmente, possam contribuir para a compreensão ampliada de temas recorrentes da nossa história.

Pela variação de escalas de observação, historiadores e historiadoras da educação se associam “[…] a lugares e espaços particulares [e, portanto, produzem saberes] em função direta de uma formação para a leitura de textos, de arquivos e de imaginários […]” (SUBRAHMANYAN apud LEVI, 2020, p. 27). Nessa linha de pensamento, a formulação de leituras e de perguntas diversificadas, a partir de fontes locais, pode tornar-se um elemento chave para mover narrativas construídas pelo estranhamento, que promovem a desnaturalização e a contínua interrogação de processos da educação e da independência experimentadas nacional, regional e localmente. Mais histórias da educação capixaba serão abordadas na Coluna Bicentenário em Foco. Na próxima semana, não percam o texto da Profa. Elda Alvarenga. 

 

1Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Coordenadora do Núcleo Capixaba de Pesquisa em História da Educação – NUCAPHE.

2Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal do Espírito Santo – CEFD/UFES. Membro do NUCAPHE.

 

Para saber mais:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

LEVI, Giovanni. Micro-história e história global. In: VENDRAME, Maíra; KARSBURG, Alexandre (Org.). Micro-história: um método em transformação. São Paulo, SP: Letra e Voz, 2020.

VIVACQUA, Attilio. O ensino público no Espirito Santo. Entrevista concedida ao Diário da Manhã. 1929.


Imagem de destaque: Momento de aula do Curso Superior de Cultura Pedagógica. Moraes (s/d, p. 14).

 

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