Imprensa e formação

Alexandre Fernandez Vaz

Hegel costumava dizer que sua oração matinal era ler o jornal diário. O filósofo viveu em um tempo que não é o nosso, os diários já não têm o peso de outrora na formação de leitores e na construção e consolidação da esfera pública. Embora o vaticínio de que eles desapareceriam, principalmente em formato papel, não tenha se concretizado, é fato que diminuíram de tamanho e circulação, e já não é comum que contenham um caderno semanal de cultura. Quando os têm, os textos longos já foram abolidos, tanto porque lhes falta espaço na diagramação, quanto em razão da escassez de paciência e de atenção dos leitores.

Benedito Nunes, em um de seus belos livros, reuniu ensaios que publicara em jornais, chamando a atenção, no prefácio, para o fato de que hoje seria impossível que eles tivessem o destino de outrora, de longos que são. Eu mesmo, com colaborações que não chegavam ao rodapé do grande intelectual paraense, sofri a tesoura de editores algumas vezes.

Jovens alunos de graduação que oriento, inteligentes e disciplinados, me dizem que se informam em blogs e pelas indefectíveis redes sociais. Há os que sequer sabem nomes dos jornais atuais. Nos meus anos de ensino médio e graduação, estar informado supunha a leitura da Folha de São Paulo. A grande reforma editorial que sofreu em meados dos anos 1980 tornou-a mais profissional, com melhor diagramação e textos mais objetivos, bem escritos e fruto de apurações rigorosas, efeito também de uma redação coalhada de jovens jornalistas, editores, colunistas. Os pecados da juventude eram compensados, com vantagem, pela ousadia e formação que traziam, vários deles oriundos de cursos de Humanidades, eventualmente cursando ou tendo cursado a pós-graduação. Havia também o Jornal da Tarde, que raramente chegava a Florianópolis, e que eu lia na casa dos avós paternos, em São Paulo. Era jornalismo literário de primeira, com linguagem mais descontraída e ótima cobertura de cultura e esportes.

A Folha sempre se disse um jornal apartidário, e às vezes se confidenciava, aqui e ali, que ela seguia o ideário de sucesso propugnado para os grandes jornais: liberal na política, conservadora na economia, progressista na cultura.Há quem se refira a ela como pertencente à mídia golpista, imputando-lhe uma posição de rechaço às posições políticas de esquerda e seus porta-vozes, o incluiria os ex-presidentes Lula e Dilma. De fato, o jornal não costuma poupar críticas a ambos, principalmente ao primeiro, assim como a outras figuras estelares do mesmo campo político, mas, de fato, ela nunca foi simpática a qualquer dos governos instituídos, pelo menos desde José Sarney. São frequentes, por exemplo, as reclamações de Fernando Henrique Cardoso nas notas de seus Diários da presidência; Carlos Heitor Cony, colunista do jornal durante muitos anos, publicou um livro composto apenas por textos que, na página 2, espinafravam o mandatário (O presidente que falava javanês). Fernando Collor de Mello, por sua vez, recebeu uma Carta aberta ao Presidente da República, assinada por Otávio Frias Filho, diretor de redação, que por pouco não levou seu signatário à prisão. Atualmente a Folha é vilipendiada por Jair Messias, sua entourage e seguidores, o que os faz, então, unirem-se aos petistas no coro dos descontentes.

Não desconheço que os jornalões são propriedade de grandes conglomerados econômicos, nem sempre apenas de comunicação. E que isso tem muitas implicações, desde algo aparentemente prosaico, como a escolha de livros a serem resenhados (eles não costumam ser considerados se publicados por grupo editorial adversário), até a redação das chamadas de capa – sim, elas, como os títulos, podem induzir a erros interpretativos, manipular informações etc. Há interesses diversos, nem sempre apenas informativos, e o senso crítico imprescindível a qualquer leitor sério deve ser o filtro na relação com o jornal.

A Folha de São Paulo recentemente cometeu um grave erro, ao intitular de Jair Rousseff um editorial que comparava decisões sobre a economia tomadas por Bolsonaro com as de Dilma. Pode-se concordar ou não com o conteúdo do texto, mas o título, o próprio diretor de redação do jornal, Sérgio D’ávila, considerou-o injusto (Uma escolha infeliz –Título do editorial mereceu críticas, para as quais a Folha deu espaço). Muito criticado por leitores e por alguns dos articulistas da própria Folha, o fato ecoou a polêmica gerada há anos pelo neologismo dita branda, também em editorial, para se referir à ditadura civil-militar iniciada e 1964, comparando-a com algumas de suas congêneres sul-americanas. Igualmente de infelicidade atroz.

O fato de o jornal vir a público e reconhecer seu erro, mostrando como Dilma e Bolsonaro são, respectivamente como água e vinho (neste último caso, segundo penso, da pior qualidade), ademais de admitir publicar críticas a si escritas por seus próprios colaboradores, a meu ver resolve a questão. O movimento mostra um veículo vivo e disposto a discutir as questões do seu tempo. Não é pouco.

Os bons jornais, malgrado os equívocos e maledicências, ainda são um espaço de pluralidade e objetividade. Sua leitura é uma oração em honra da construção de uma esfera pública democrática. Sigamos na leitura – e na crítica – aos jornais.

Ilha de Santa Catarina, outubro de 2020.


Imagem de destaque: Aalok Atreya / Unsplash

http://www.otc-certified-store.com/supplements-and-vitamins-medicine-usa.html https://zp-pdl.com/online-payday-loans-in-america.php https://zp-pdl.com/apply-for-payday-loan-online.php https://zp-pdl.com/online-payday-loans-in-america.php

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *