Identidade negra e Educação: algumas ponderações das formas 

Marcos Borges dos Santos Júnior

As transformações educacionais que acompanham a sociedade brasileira ao longo do tempo são atravessadas pela construção de múltiplas identidades, que reverberam no “mundo vivido” da população. Nesta população pode-se encontrar identidades positivadas como “negritude” e a valorização do “ser” negro ou negativadas, numa racionalidade racial (MUNANGA, 2020; 2017). Nunca num limite determinado, mas nos limiares tênues de um continuum ressignificante entre o singular e múltiplo das identidades. Vale ressaltar que o singular e múltiplo são constituídos pelo uno, isto é, da totalidade espaço/tempo.

Numa outra perspectiva que agrega as desigualdades sociais pelo prisma do racismo para a concepção de identidade (THEODORO, 2022), é possível afirmar que desde a formação do Estado-Nação Brasil, as múltiplas identidades da população negra são continuamente ressignificadas por conta do contato com a forma social racista(1), isto é, nos desdobramentos que ocorrem pela “sociedade desigual”, seja no campo educacional, geográfico ou jurídico-legislativo.

Uma forma social racista, que delimita a potência e a possibilidade da existência negra, como nos demostra o estudo de Hédio Silva Junior (2002), que assinala o racismo nos ambientes escolares, silenciando e inferiorizando o corpo estudantil negro desde a educação infantil. Tal modo reflete diretamente nas produções pedagógicas desenvolvidas nas instituições de ensino conforme pontua Fernando Santos de Jesus (2017) ao pesquisar as políticas públicas dos livros didáticos e paradidáticos, que constata em suma maioria múltiplas concepções racistas sobre “ser” negro, perpetuando a forma social racista.

No âmago, com base nas instituições de ensino, mas também em todo ambiente educacional direcionados para a percepção sobre “ser” negro como inferior ou “inexistente”, é instituído uma identidade da população negra inerte, delimitadora e autodestruidora que afeta a sociedade brasileira no todo. Neste sentido, se o ambiente educacional pode eclodir em forma social racista na identidade negra, também poderá emergir a pluriversalidade nas formas existenciais e sociais que estimule uma abertura dialógica a partir da identidade, quer dizer, auxilie na potência e possibilidade de existência no “mundo vivido”.

É necessário produzir (ressignificar) constantemente uma pluriversalidade educacional identitária ou, parafraseando a Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí (2021), uma identidade enraizada na “cosmopercepção”, que procure a não deslegitimação dos diferentes povos que compõem a sociedade brasileira, assim levando em consideração as múltiplas amarras ocasionadas pela forma social racista e as diferentes formas de existir. Temos como exemplo a proposta de Abdias Nascimento (2019) com o Quilombismo, mas existem múltiplas propostas produzidas pela sociedade brasileira.

À medida em que formos aprofundando os conhecimentos e saberes acerca do racismo, mas também nas diferentes formas produzidas pela população negra, acredito que será um dos múltiplos caminhos para uma transformação educacional plena para a identidade negra.

Nota
(1) Fica para o debate a concepção sobre “ser negro” nos estudos do protorracismo (MOORE, 2012), racismo (SANTOS, 2002) ou nas pulsões filosóficas do Kemet – antigo Egito – (NOGUERA, 2012).

Sobre o autor
Graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ. Membro/Pesquisador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da UERJ (NEAB – UERJ). Bolsista pesquisador em início de carreira pelo Centro Lemann de Liderança para Equidade em Educação.

Para saber mais
JESUS, Fernando Santos de. O negro no livro paradidático. Rio de Janeiro: Gramma, 2017.

MOORE, Carlos. Racismo & Sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racismo. 2. Ed. Belo Horizonte: Nandyala, 2012.

NASCIMENTO, Abdias. O quilombismo: documentos de uma militância pan-africana. 3. ed. re. São Paulo: Editora Perspectiva; Rio de Janeiro: Ipeafro, 2019.

MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 4ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.

_____. As ambiguidades do racismo à brasileira. KON, Noemi Moritz;ABUD, Cristiane Curi; SILVA, Maria Lúcia (Orgs). O racismo e o negro no Brasil: questões para psicanálise. São Paulo: Perspectiva, 2017. p. 33 – 44.

NOGUERA, Renato. Denegrindo a educação: Um ensaio filosófico para uma pedagogia da pluriversalidade. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, Número 18: maio – out/2012a, p. 62-73. Acesse aqui.

OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ́. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Tradução de Wanderson Flor do Nascimento. 1. Ed. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

SANTOS, Gislene Aparecida dos. A invenção do ser negro: Um percurso das ideias que naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo: Educ/Fapesp; Rio de Janeiro: Pallas, 2002

SILVA JUNIOR, Hédio. Discriminação racial nas escolas: entre a lei e as práticas sociais. Brasília: UNESCO, 2002.

THEODORO, Mário. A sociedade desigual: racismo e branquitude na formação do Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.


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