Nas últimas semanas foram trazidas a público duas importantes pesquisas sobre os professores e a educação no Brasil. A intensidade e a forma como tais pesquisas circularam na imprensa e/ou foram objeto de debates por parte de jornalistas e especialistas expressam bem o que importa noticiar sobre educação e dão um bom exemplo das dificuldades que temos de enfrentar para discutir os problemas estruturais que nos impedem de construir uma escola de qualidade para todos(as) os(as) brasileiros.
A primeira pesquisa nos esclarece que mais da metade dos estados brasileiros não paga o piso salarial nacional, definido em lei, para os seus docentes. A segunda informa que quase 40% dos professores brasileiros não têm a formação mínima requerida para o nível ou a disciplina em que atua, percentual esse que se eleva acima de 60% em disciplinas com a física.
Uma busca pela frase “mais da metade dos estados não paga” no Google nos dá um retorno de 1700 links para o tema pesquisado; já a frase “quase 40% dos professore no Brasil não têm formação adequada” nos dá um retorno de quase 8000 links sobre o assunto. Se considerarmos as variações de chamada para um ou outro tema, a diferença entre a quantidade de links entre um e outro assunto tende a aumentar.
Se consideramos, ainda, as não menos importantes diferenças entre as formas, os tamanhos e a maior ou menor centralidade das notícias nos sites (e nos jornais impressos), podemos ter, com alguma fidedignidade, uma dimensão do que é importante noticiar e discutir quando o tema são os docentes da escola básica pública brasileira.
Desde pelo menos o século XIX nossas elites políticas e intelectuais declaram, sem cerimônia, que a docência não é atrativa justamente pelos salários e pelas condições de trabalho que o Estado oferece aos professores. Todavia, não deixam de afirmar, também, que a qualidade da escola pública brasileira é, no mínimo, duvidosa, justamente porque faltam professores bem qualificados e dispostos a assumir os grandes ônus impostos pela profissão.
Tais diagnósticos, se levados a sério, deveriam levar a um enfrentamento do problema dos salários, da carreira e das condições de trabalho. No entanto, contrariando a lógica, o que se tem feito nos últimos dois séculos é culpabilizar os professores e sua suposta ou real baixa formação pelo fracasso da escola e, como política, fundar instituições, reformar os currículos de formação e imprimir textos com o intuito de bem formar os docentes. Não é por acaso, a este respeito, que as escolas de formação de professores foram organizadas desde o século XIX no Brasil – data de 1835 a lei de criação da primeira delas em Minas Gerais – e a primeira lei nacional estabelecendo um Piso Salarial para os professores tenha sido publicada apenas no século XXI!
O que é mais assustador nisso é que não apenas a imprensa comprou e se esforça para difundir essa versão amplamente difundida pelos gestores do Estado brasileiro ao longo do tempo, mas também parte significativa de nossa população e da própria intelectualidade acabou por compactuar com a mesma.
Não bastasse a eloquência dos dados que demonstram que a profissão docente é cada vez menos desejada por nossa juventude, naquilo que vem sendo apresentada como a crise das licenciaturas ou o apagão de professores no Brasil, o número de professores que adoece ou deixa a profissão todo ano no país deveria nos mobilizar, societariamente, a buscar soluções para os problemas estruturais da profissão e, por conseguinte, da escola, e não apenas, ou fundamentalmente, abrir mais e mais vagas em cursos de formação de professores, como fez mais uma vez o Ministério da Educação.
Quando os professores recebem tão baixos salários, quando suas carreiras não são nem um pouco atrativas, quando suas condições de trabalho se deterioram a cada dia e, pasmem, quando os professores são proibidos de se alimentarem na escola, não há curso de formação, em lugar algum do mundo, que resolva o problema da qualidade da escola pública brasileira. É bem verdade que nossas elites políticas e intelectuais sabem disso: quando quiseram, aqui, fazer boas universidades, não acenaram aos pares com bons cursos de formação, mas com carreiras, salários e condições de trabalho dignos da ocupação que teriam: produzir conhecimento de ponta e formar as novas elites políticas, intelectuais e profissionais do país. Não por acaso, em menos de 40 anos o problema da desprofissionalização e de falta de formação e de quadros que marcava o ensino superior público brasileiro foi resolvido. Não seria o caso de usarmos a mesma receita também para os professores da escola básica?