Passados pouco mais de um ano e um mês do anúncio do fechamento das escolas e universidades brasileiras, motivado pela pandemia do Covid-19, as aulas seguem no modo remoto, com professores e alunos em suas respectivas residências, na tentativa de garantir a continuidade do ensino no que é possível. A crise sanitária levou, em poucos meses, muitos países a decretarem regime de isolamento social como medida de saneamento mais eficaz para evitar a propagação do vírus, a contaminação e as mortes.
A educação foi um dos setores afetados em escala global e estima-se que os efeitos da suspensão das aulas presenciais possam perdurar por anos e que a educação brasileira, segundo resultados de pesquisa desenvolvida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), retroceda até quatro anos nos níveis de aprendizagem, quadro agravado pela dificuldade no acesso ao ensino remoto. Por outro lado, compreende-se que o fechamento das escolas contribui expressivamente para que o número de mortos não seja ainda maior, preservando a segurança e a vida, que são primordiais.
Em uma sociedade extremamente desigual como a brasileira, os efeitos negativos da pandemia sobre o aprendizado dos alunos não são homogêneos, já que o acesso ao ensino remoto está diretamente relacionado à renda e aos bens materiais, como um computador conectado à internet e um ambiente adequado na residência do aluno para o aprendizado. Nesse sentido, os efeitos sobre o aprendizado de crianças pobres são ainda mais graves, pois não dispõem do aparato tecnológico e espaço adequado para assistirem às aulas em seus lares, com agravamento desses efeitos entre alunos do sexo masculino, pardos, negros e filhos de mães que não concluíram o ensino fundamental (FGV, 2021).
Com o objetivo de reduzir os efeitos negativos do ensino remoto para milhões de alunos, filhos de famílias de baixa renda matriculados na escola pública brasileira, e de evitar o aumento das desigualdades educacionais, inúmeros esforços têm sido empreendidos desde março de 2020. Gestores e docentes vêm trabalhando intensamente para que algumas dificuldades possam ser reduzidas, para que a interação entre professor, aluno e conhecimento possa ser estabelecida no ensino remoto.
A ausência de diretrizes que orientassem esse educar desde o fechamento das escolas, por parte dos governos municipais, estaduais ou federal, conduziu gestores e professores a produzirem modos inventivos de ensino, ainda que diversos e controversos. A adaptação ao ensino remoto desafiou os profissionais a repensarem as práticas pedagógicas em todos os níveis de educação e algumas ações foram articuladas na tentativa de garantir o ensino aos alunos, tais como: adaptação do material para o modo virtual, adequação dos conteúdos para as plataformas educativas, impressão de atividades entregues aos pais nas escolas, entre outras.
Esse movimento exigiu e vêm exigindo o trabalho persistente e redobrado de profissionais que também foram afetados em seus modos de ser e estar nos espaços educativos, que perderam amigos e entes queridos, que vivenciam as dificuldades financeiras acarretadas pela perda de emprego de maridos e esposas, que dividem o espaço do lar com outras pessoas que também estão no ensino e/ou trabalho remoto. Tensionando ainda mais tudo o que vem sendo vivenciando, professores são atacados, desvalorizados, rotulados de preguiçosos por aqueles que desconhecem as dificuldades que envolvem o ensino remoto.
O que podemos observar é o desgaste e o adoecimento de grande parcela de professores, que entende o compromisso assumido com a docência, com os alunos que recebe nas aulas a cada ano ou semestre letivo, mas que já apresenta o cansaço por longo período de convívio com a falta de recursos, orientações e apoio do Estado. Como primeiro ponto, é preciso considerar que as moradias nas quais existem recursos materiais e culturais para educar as crianças correspondem a residências de uma parcela mínima da população brasileira. Em um contexto no qual muitos alunos vão à escola para se alimentar, ter um cômodo silencioso em casa com um computador é privilégio para poucos. Segundo ponto, para muitos docentes, os usos das ferramentas de comunicação digital e outras tecnologias, que se fazem presentes nesse momento, constituíam-se como uma novidade há um ano e ainda hoje são pouco conhecidos.
As longas horas passadas diante da tela do computador, seja para planejamento, reuniões, conversas com os pais e gestores, seja para a realização das próprias aulas, causam um desgaste físico e mental aos professores, além de acarretar a tensão por possíveis intercorrências no ambiente familiar que possam atrapalhar os encontros virtuais. A invasão da casa pelo trabalho, a necessidade de adaptações rápidas e constantes, a exigência de disponibilidade ampliada, a centralidade nos conteúdos, além da exposição docente aos pais, que se tornaram avaliadores das práticas pedagógicas, também geram o cansaço.
O momento é de alerta para as condições de trabalho a que estão submetidos os professores, que vivenciam uma intensificação de suas atividades e, ao mesmo tempo, se veem diante de um pensamento que ganha força no senso comum, de que o professor não quer trabalhar, de que está de férias prolongadas em casa. Esse pensamento recebe apoio de discursos infelizes e equivocados de políticos como o deputado federal Ricardo Barros, líder do governo na Câmara dos Deputados, em 20 de abril de 2021, ao afirmar que “só professor que não quer trabalhar”, pois “não tem nenhuma razão para o professor não dar aula”. Tal discurso evidencia o desconhecimento das atividades docentes durante a pandemia e o distanciamento da realidade da escola pública brasileira.
Os professores desejam o retorno das aulas, tanto quanto os pais e a sociedade como um todo, até porque estão ansiosos, esgotados, adoecidos com a intensificação e o estresse do trabalho no ensino remoto, com as incertezas e as adversidades. Contudo, conscientes do compromisso assumido e priorizando a vida, entendem que o momento é de seguir com o isolamento social e o ensino remoto, até que a maioria ou toda a população esteja vacinada e segura.
Imagem de destaque: Giovani Oliveira / Prefeitura Boa Vista