Como já ensinou João Guimarães Rosa, “o real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia”. E esta frase está para a formação humana assim como o ar está para a vida, afinal, a caminhada do aprendente começa com o nascimento e termina com a morte. Simples assim!
E no meio desse longo e tortuoso caminho, “o correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. E haja coragem para aprender a ler o mundo diante de tantos estímulos, diante de tanta informação disposta a construir realidades nem sempre confiáveis. Por isso, vale sempre o alerta de que “viver é muito perigoso: sempre acaba em morte”. Mas não se deve preocupar, porque “a gente morre é para provar que viveu”.
Como todo sujeito educando fica, no mínimo, uns 13 anos entre a educação infantil até o fim do ensino médio, é de se esperar que ele saia da escola pronto para interpretar todo e qualquer sinal. Porém, isso não é tão simples, pois “uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas”. E haja teto pra tanta gente, não é verdade? “Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto”.
O escritor Rosa, por ter cor no nome, ensina a colorir muitos pensamentos que insistem em ser áridos e alerta para o fato de que o “sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar”. Afinal, continua, “viver é muito perigoso“. E como é! Não dá pra acreditar em tudo e muito menos em toda gente. Ainda mais depois que se aprende que “a colheita é comum, mas o capinar é sozinho”.
Basta ter a certeza de que “eu quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa”, que fica fácil ter humildade pra perguntar. E, geralmente, a gente aprende a perguntar na escola, a construir os muitos porquês da vida. Quando se confia nessa troca tão rica de conhecimento, a gente é capaz de fazer amigo, amigo de caminhada. “Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por que é que é”.
Ah, Guimarães! Além de escritor, ainda por cima, era médico, um digno médico de homens e de almas, tal qual o santo, com sua literatura tão libertadora. E ele, ciente de que “mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”, chegou a desenhar o que era liberdade, ou as limitações dela. Afinal, “liberdade – aposto – ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no vão dos ferros de grandes prisões”.
Um bom leitor é prisioneiro de um labirinto que ele mesmo cria. Talvez, isso se justifique porque “sertão é o sozinho”, com toda a aridez que isso representa. E é fácil, num espelhamento muito sincero, trazer esse não-lugar pra junto do peito. “Sertão: é dentro da gente”. E, assim, a gente vai vivendo, pois “vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só fazer outras maiores perguntas”. E o importante nesta travessia – com ou sem dúvida – são as perguntas porque resposta já se tem demais.
Como cada um de nós nasce pra carregar uma bagagem cheia de vida, e esse peso não tem fim. E por causa dessa infinitude, nunca se conclui nada, tudo vai se transformando, as coisas e a gente. “O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando”. Haja coragem pra andar por esse mundo tão metamorfoseante. “Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo no meio do fel do desespero”.
Ainda bem que se tem esperança. Pra se agarrar, pra acreditar e pra sonhar. Afinal de contas, “viver é um descuido prosseguido”. E pra essa falta de cuidado, o melhor remédio é desconfiar, como o bom mineiro sempre o faz: “quem desconfia fica sábio”. De tanta bagagem que a gente carrega e com olhar tão astuto, fica fácil ter dúvida. O ruim é que é sinal de sucesso só ter certeza.
Muito cuidado, portanto, com as convivências que carregam bagagens da razão. “Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”. Amar é deixar o outro enxergar com o olho da gente. Só desse jeito é possível viver a empatia e sentir o que o outro sente. “Um sentir é do sentente, mas o outro é o do sentidor”.
Por isso é tão bom amar. A gente se acha obediente, mas é dono de uma força que nos leva pra frente, sempre. “Quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade”. Essa desobediência é arma importante pra enfrentar o sertão. “Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar”
Ler este mundo exige habilidade do início ao fim das nossas palavras. Palavra, esta coisa cheia de letra e que carrega tanto significado. Ela atesta quando estamos vivos ou quando estamos mortos. Enquanto a “morte é para os que morrem”, a “vida da gente vai em erros, como um relato sem pés nem cabeça, por falta de sisudez e alegria”. A gente escolhe: a sisudez ou a alegria, todo dia. E desse jeito vai encenando no grande palco que nos coube nesta vida.
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