Vagner Luciano de Andrade
Ludimila de Miranda Rodrigues Silva (*)
A história agrária do Brasil sempre foi uma narrativa histórica de latifúndios e conflitos. Desde a colonização portuguesa, as terras brasileiras e seus recursos naturais foram partilhados entre famílias de nobres ou grandes empresários, gerando um modelo produtivo excludente de organização espacial. Neste contexto, o agrário (socioeconômico) se sobrepõe à ruralidade camponesa (sociocultural). Todavia, o aspecto mais complexo de todos foi a marginalização cultural das sociedades camponesas, excluídas e isoladas. Em algumas regiões, sua presença foi (e ainda é) tão poderosa que marcou a história e a importância de todas as demais formas políticas e econômicas de organização do espaço rural.
Em contrapartida, também desde os tempos coloniais existem comunidades onde agricultores independentes aproveitam a terra, em regime de trabalho familiar. Ocupando, ainda na atualidade, posições subordinadas, uma vez que grande parte de sua produção vinculava-se à subsistência familiar e, em períodos coloniais, não se destacavam na produção de exportação e tampouco nessa época eram donos de escravos ou bens. As políticas públicas raramente os incluíram fazendo com que entrassem sempre em posições marginais nos principais mercados. As origens escravistas e senhoriais da sociedade brasileira sempre desqualificaram socialmente as pessoas que viviam do próprio trabalho. Por isso, suas formas locais de cultura, organização, representação, saberes e usos foram totalmente desconsiderados. Um jeito de ser e estar no mundo, o camponês, com seus saberes e fazeres, temporalidades e espacialidades foi amplamente desconsiderado. O progresso técnico na agricultura aprofundou e ampliou ainda mais essa marginalização.
A expansão da agropecuária a partir das décadas de 1960 e 1970, movida por crédito rural e recursos públicos, acentuou o caráter privado e a natureza patronal do meio rural brasileiro. O agronegócio se consolidou como estratégia e eixo de expansão da lógica urbano-industrial capitalista influenciando as migrações, na medida em que o agricultor familiar se viu cercado pelos latifúndios, sem incentivos e atraído pela promessa de qualidade de vida das cidades. A expansão da fronteira agrícola no Centro-oeste brasileiro e na Bacia Amazônica alimentou deslocamentos e fixações, principalmente em estados como Goiás. Posteriormente, São Paulo e outros grandes centros urbanos brasileiros alimentaram os sonhos e a frustração de muitos camponeses expulsos de suas terras de origens, como verdadeiros desterrados. Isso aconteceu em todo país e principalmente no Nordeste Brasileiro castigado pela seca e mazelas sociais. Em Minas Gerais, na porção do norte e nordeste do estado, não foi diferente.
Uma das marcas ainda associadas ao estigma do Vale do Jequitinhonha (MG), que o vincula, assim como o nordeste brasileiro, à condição de pobreza extrema, é o fenômeno da migração sazonal. A entrada da monocultura de eucalipto e café, além das grandes extensões de agropecuária, desapropriaram muitos agricultores familiares de suas áreas tradicionais de trabalho e produção – como as regiões de chapada (cujo uso comunal, viabilizava a sobrevivência de diversas comunidades). Desse modo, a mecanização do Vale, e a demanda por uma mão de obra mais qualificada, desencadeou na expulsão de muitos agricultores para as regiões de São Paulo e Paraná, que absorviam grande parte dessa mão de obra (barata) no corte da cana e colheita do café.
Mas o fenômeno da migração é uma questão apenas econômica e desenvolvimentista? É claro que não. É reflexo, inclusive, da ausência do processo educativo inclusivo nessas regiões. Além de se considerar a importância dos saberes locais, faz-se necessária uma educação no campo que viabilize a inserção desses camponeses no mercado de trabalho, seja ele local ou regional, viabilizando, dessa forma sua manutenção nas comunidades. Muitos dos quais, mesmo hoje, possuem apenas o fundamental incompleto, pois já na fase dos 13 ou 14 anos começam seu processo de emigração.
Nesse sentido, a educação precisa, cada vez mais, vincular-se às inovações e tecnologias dos sistemas agrários e às permanências e rupturas das ruralidades camponesas. O fato de permanecer em sua comunidade de origem vai muito além de uma condição populacional, mas da ligação e conexão do ser ao seu lugar, à sua tradicionalidade, às vivências e experiências de uma vida construída e almejada na sua condição local de ser camponês. Para tal, é preciso que os centros de formação técnica e tecnológica cheguem e dialoguem com esses locais. São necessárias escolas integradas e cursos de educação do campo que façam, realmente, o diálogo com a dinâmica, realidades e limitações dessas comunidades. Pois, será apenas construindo com a comunidade, que a educação conseguirá, efetivamente, romper com esses estigmas da exclusão, da pobreza e da inevitável emigração, que acabam por romper os ciclos naturais de uma diversa e riquíssima reprodução sociocultural do espaço rural brasileiro.
(*)Doutoranda, Mestre e Bacharel em Geografia – IGC/UFMG.
E-mail: ludimilarodrigues86@gmail.com
Foto destaque: Comunidade de Alto dos Bois – Angelândia (Vale do Jequitinhonha/MG)
SILVA (2015)