Educação para a paz

Eugênio Magno

Nesses tempos em que o ódio, a violência, e o retrocesso civilizatório toma de assalto a vida pública e privada, deparei com minhas anotações sobre Cultura de Paz, de uma palestra com a militante de direitos humanos, Fiona Macaulay, professora do Departamento de Estudos da Paz, da Universidade de Bradford, na Inglaterra.

Já indaguei várias vezes sobre a necessidade de que os gringos nos venham ensinar sobre tantas coisas. No dia dessa palestra essa questão também me interpelou, mas nem foi necessário que me desse ao trabalho a pergunta publicamente, um dos participantes se encarregou da provocação e disse que via com certa desconfiança o fato de uma inglesa branca, com lindos olhos azuis vir ao Brasil falar sobre cultura de paz. Falou que éramos um país miscigenado e multicultural e que, a trancos e barrancos, vivíamos e convivíamos com nossas diferenças, etc. Enquanto ele falava fiquei a pensar sobre a dificuldade e a forma violenta com que os países colonialistas sempre enfrentaram os fluxos migratórios, inclusive o de suas ex-colônias. O rapaz concluiu sua fala perguntando a Fiona, o que, na opinião dela, os brasileiros poderiam ensinar ao mundo sobre o tema.

Fiona nos surpreendeu ao dizer que as pessoas são fascinadas pela violência e pelo horror, especialmente em seu país. Falou que a cultura da paz é uma questão complexa que envolve uma série de fatores ligados à globalização do mundo, ao multiculturalismo e a preconceitos de toda ordem. Mas disse que o conflito é inerente à condição humana. Que os conflitos são multifatoriais e têm causas diferentes: objetivas, subjetivas e inerentes, e que não levam necessariamente à violência. Contou que a institucionalização da educação para a paz, na Inglaterra, só aconteceu porque os pacifistas do seu país, ao se darem conta de que assim como havia na estrutura institucional inglesa um departamento de estudos da guerra, deveria haver também um departamento para estudos da paz. 

Entendendo que a violência ocorre de forma direta, estrutural e cultural, Fiona citou o sociólogo norueguês Johan Vincent Galtung, um dos pioneiros na sistematização do estudo da educação para a paz, para quem existem tipologias da paz, e que estas podem ser caracterizadas como negativas ou positivas. A manutenção da paz, por exemplo, é uma prática corrente que impede a violência usando a força, enquanto a pacificação é a busca da resolução de conflitos através da comunicação, e a construção da paz é um processo de se evitar a violência ensinando a não-violência e promovendo a justiça social. 

Ficou claro para mim que o grande desafio imposto aos envolvidos em implantar a cultura da paz é sair do paradigma da manutenção da paz a qualquer custo para as práticas de pacificação e construção da paz. Nesse processo, a comunicação e a cultura são ferramentas imprescindíveis, pois direta ou indiretamente, mesmo que inconscientemente, têm se constituído como as principais colunas de sustentação da violência. E a paz é uma questão interna, uma questão de relacionamento com o outro e uma questão de relações mais globalizadas que passam também pelo simbólico. A razão sozinha não dá mais conta de atingir as camadas mais profundas desse ser contemporâneo complexo, constituído de tantas experiências nos vários níveis do seu existir. Então é necessário que o sentimento e as emoções também façam parte do arsenal metodológico da educação para a paz. É preciso que a espiritualidade e a família – não com seus dogmas e doutrinas –, mas com seus valores, também sejam incorporados a esse ensino, que deve ser prático e participativo, direto e experiencial, concreto, lúdico e criativo buscando sempre a transdisciplinaridade. É fundamental que o conhecimento e o saber sejam acrescidos da práxis para que esses conteúdos não se configurem apenas como notícias ou comunicados e não sirvam somente para aumentar o nosso entulho de informação.

Fiona Macaulay também chamou a atenção para a necessidade de que as interações para a cultura da paz aconteçam em nível de igualdade. Não pode haver de um lado o altruísta e do outro o “coitadinho”. Segundo a especialista, temos que aprender a apreender como resolver conflitos, buscando habilidades cooperativas, através de trabalhos em grupo que socialize hábitos e que nos coloque permanentemente em busca de uma aprendizagem transformadora. Como referências para essas práticas, Fiona que demonstrou não se relacionar com o nosso país somente para ensinar, recomendou os métodos de Paulo Freire e Augusto Boal para viver a experiência dessa práxis e do ensino-aprendizagem da Cultura de Paz.

Se, como as pesquisas demonstram, os grandes provocadores da violência são a exclusão, a discriminação e o preconceito, fica evidente que, o cidadão rico, escolarizado e incluído, que não é vítima dos tipos mais comuns de exclusão e preconceito também deve ser chamado para interagir nesse processo de construção da paz. Se trabalharmos apenas com os excluídos e oprimidos, o processo não avança e pode até mesmo desencadear resultados nefastos, pois cria consciência de um lado, sem quebrar a resistência do outro.


Imagem de destaque: Wallpaper access

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