Tornar-se professor(a) no Piauí: diferentes percursos e representações

Ana Maria Gomes de Sousa Martins1

Piauí terra querida, filha do Sol do Equador, pertence-te as nossas vidas, nossos sonhos, nosso amor…. (2).  Segundo o poeta, a vida e os sonhos dos piauienses são moldados pelas especificidades locais e, em se tratando dos sonhos de tornar-se professor, estes se entrelaçavam com os direcionamentos do Estado em relação à formação e ao exercício profissional. 

A formação docente ocorre por mediações de representações e por apropriações dos sujeitos envolvidos, através dos sentidos que são atribuídos em uma relação que nem sempre é consensual. Compreender os possíveis percursos de tornar-se professor no Piauí, nos séculos XIX e XX, envolve a criação e implantação do ensino primário e normal, a criação e consolidação da Escola Normal Oficial do Piauí e as histórias de vida dos sujeitos envolvidos com a formação docente.  

O desejo e a necessidade de tornar-se professor(a), de profissionalizar-se, em um estado onde as escolas de primeiras letras datam de 1757, apresentam especificidades que são desveladas e conhecidas graças ao empenho incansável de pesquisadores(as) que se aventuram em busca de fontes, as vezes de difícil acesso ou que por descuido são destruídas ou silenciadas com o passar dos anos. Mas, este ofício de construir, de reconstruir memórias, em especial, memórias da formação docente impulsiona os(as) historiadores da educação local, sobretudo a partir da criação dos cursos de pós-graduação de mestrado e doutorado nas instituições públicas no Estado.

Durante o Período Colonial os mestres escolas atuavam nas escassas escolas de primeiras letras, o ser professor dependia do empenho e coragem de homens que andavam de fazenda em fazenda ensinando as primeiras letras às crianças em troca de pagamento.  Estes, muitas vezes, se estabeleciam nas sedes das vilas e criavam suas salas de ensinar a ler e escrever. Embora o Estado tenha criado escolas de primeiras letras durante este período, há divergências sobre o funcionamento das mesmas. 

O ensino público foi estruturado durante o Período Imperial com a criação de escolas de primeiras letras, em várias localidades. Provocando uma transformação no ofício docente, pois, o poder público definiu as condições mínimas para o exercício profissional docente. O professor de primeiras letras, funcionário do estado, com características específicas em relação ao domínio de conhecimentos a serem ensinados e com condutas pessoais e profissionais disciplinadas pelo Estado.

A partir do século XIX, novas exigências foram instituídas, não são valorizadas apenas as condutas pessoais e profissionais, mas o domínio de conhecimentos científicos sobre o ato de ensinar.  Para tanto, foi fundada a Escola Normal, em agosto de 1864, tendo suas atividades iniciadas no ano seguinte. Nesta Instituição, as normalistas recebiam formação específica para atuarem nas escolas primárias. Porém, esta ação durou dez anos consecutivos. A justificativa para a extinção do ensino normal foi atribuída à falta de recursos do Estado para manter o ensino normal, sendo reativado de 1882 a 1888 e desativado, em seguida.

A partir de 1910, com a fundação da Escola Normal Oficial do Piauí, ocorreu a consolidação da formação docente local. Esta Instituição foi, por sessenta e dois anos, a principal responsável pela formação de professores primários no Piauí, sendo extinta, em 1973, quando da criação do Instituto de Educação Antonino Freire, que passou a trabalhar a formação docente através da habilitação para o exercício do magistério de 1ª grau. 

Quanto aos sujeitos envolvidos na formação, a figura da professora normalista ganhava destaque. Tinha uma formação baseada nos princípios da escola moderna e a ela era atribuída a responsabilidade de levar a modernização às escolas do interior do Estado. Ação que se assemelha aos versos do hino “ Rio abaixo, rio arriba. Espalhem pelo sertão. E levem pelas quebradas. Pelas várzeas e chapadas. Teu canto de exaltação”. As normalistas deveriam disseminar a educação moderna ao longo de todo o território piauiense. Contudo, a historiografia local revela que apesar do esforço do poder público a presença de professoras normalistas e professores leigos nas escolas primárias era uma constante.

As representações que circulavam e influenciavam o ser professora na época envolviam um sistema de concepções sobre o que era ser professor no período, um padrão de significado direcionadores da ação docente, um conjunto de práticas pedagógicas fundadas na Pedagogia Moderna. Assim, ações, comportamentos e discursos se direcionavam para modelar os comportamentos das normalistas. As representações ao serem incorporadas pelas futuras professoras ganhavam significados individualizados conforme as vivências e sonhos de cada sujeito. 

No imaginário da época, ser professora primária significava ter se apropriado de conhecimentos científicos sobre o ato de ensinar e aprender, significava ter reconhecimentos social, ter um emprego, ser funcionária do estado, ganhar visibilidade, incorporar em seu fazer as práticas socialmente aceitas e validadas para o ofício de docente. Muitas destas representações se fazem presente nos dias atuais, o que nos provoca a pensar nas representações de longa duração.

A formação docente para os anos iniciais continua um tema em pauta. Consiste em um tipo de formação que guarda em sua gênese algumas relações com o processo de escolarização vivenciado a partir do século XIX. Assim, estudos sobre a gênese e desenvolvimento da profissão e sobre a formação docente possibilitam trazer para o debate aspectos da constituição e das transformações no campo da educação. 

Pensar o “tornar-se professor(a) no Piauí” trata-se de uma das problemáticas de pesquisa a serem pensadas entre tantas histórias necessárias de serem contadas sobre a região. O Giro do Bicentenário no Piauí pretende trazer outras narrativas em nossas próximas edições. Até lá!

 

1Doutora em Educação. Atua como professora na educação básica e no Curso de Pedagogia do Instituto de Ensino Superior Múltiplo – IESM, em Timon (MA).

(2)Letra do Hino do Piauí de Antonio Francisco da Costa e Silva.


Imagem: Escola Normal Oficial do Piauí.

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