Bruno Pereira
Francisco Ângelo
Na semana passada as escolas do município de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, retomaram as aulas após a catástrofe ambiental ocorrida naquela localidade. As escolas da região foram os primeiros locais a fornecer infraestrutura às equipes de resgate e segurança às famílias desalojadas pelas chuvas e consequente deslizamento das encostas da Serra do Mar. Cerca de 1200 estudantes do Ensino Fundamental iniciaram o ano letivo de forma remota e temos ainda hoje 1845 desabrigados. Percebemos que ao Brasil cabe sua cota de vítimas do clima e que as escolas são locais seguros, onde políticas públicas podem ser implementadas para minimizar seu sofrimento. Este evento climático tem sido amplamente coberto pelos meios de comunicação desde o dia 19 de fevereiro. Analistas destacam que eventos extremos forçam os municípios a encarar a necessidade de políticas públicas para a mitigação do que Bruno Latour chamou de mutações climáticas, em sua obra “Diante de Gaia” (Ubu/Ateliê de Humanidades). Afinal, tais fenômenos não deixarão de acontecer no futuro. Eles se repetirão, aumentando em quantidade, energia e fúria, devido ao aumento da temperatura do Sistema Terra.
Negar as profundas alterações climáticas como um fato é parte do que o negacionismo estabelece como modus operandi. Torná-las ontologicamente reais é condição para que possamos articular politicamente as ações para combater as causas das mudanças e mitigar seus efeitos. Por isso, a frase proferida por Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, em entrevista coletiva, disponível no canal do YouTube do Governo do Estado de São Paulo, no dia 22 de fevereiro, foi tão pertinente: “(…) A gente teve a maior chuva da história registrada nesse episódio, nunca choveu tanto, nunca tivemos registro, em lugar nenhum do Brasil, (…), então isso é um sinal que alguma coisa mudou.”.
No dia seguinte, o governador declarou que os sistemas de previsão dos eventos climáticos extremos têm que ser melhorados. Para isso, propôs a instalação de sirenes de alarme nas comunidades em áreas de risco e a subsequente preparação da população para que os moradores abandonem suas casas e fujam para pontos seguros. Mas uma questão surge: a proposta é manter a comunidade que se instalou em regiões que podem ser atingidas por desastres nestas áreas de risco?
Ao apontar a necessidade de formar a população para responder ao aviso sonoro, o político retoma uma ideia que imaginávamos ter sido deixada para trás, em outro modelo de educação: as escolas como espaço de treinamento da população de baixa renda. O currículo – campo em disputa sempre – implementado de forma utilitarista. O governador aponta a inclusão de uma nova disciplina, “Defesa Civil e Primeiros Socorros”. Ele diz que a criança é “um veículo para a gente treinar, para a gente mudar o comportamento da sociedade (…), ela aprende muito mais rápido e ela consegue levar isso para dentro de casa.”
O que permeia a proposta é que o currículo escolar seria capaz de agir na “capacitação” dos moradores de áreas de risco. A nova disciplina desenvolveria uma habilidade nas novas gerações de moradores das áreas de risco: responder ao trinar das sirenes nas catástrofes. Triste imaginar que deveremos ensinar nossos estudantes a sobreviver a situações que talvez fôssemos capazes de ter evitado algumas décadas atrás. Com mobilização política, podemos evitar desastres futuros, realocando os moradores para regiões seguras, com infraestrutura adequada à vida plena dos cidadãos.
Neste momento, as questões curriculares estão um passo aquém do necessário. Em entrevista publicada no “Dossiê Bruno Latour” (Editora UFMG), Latour diz que o negacionismo climático e das ciências atingiu tal grau de inserção nas sociedades modernas que infelizmente já não bastam mais somente as ações nos ambientes escolares. Vivemos uma situação tão extrema que vemos a necessidade das palavras de Latour: “É uma situação de guerra, não uma situação de pedagogia.”. É preciso lutar por uma educação para a ação política, onde os estudantes reconheçam seu lugar não somente geográfico, mas dentro das relações sociais que constroem e neste sistema de produção de bens que os exclui, empurrando-os para a ocupação das ruínas do capitalismo.
Para contribuirmos para a formação de juventudes resistentes às efemérides que advirão das mutações climáticas, precisamos repensar os caminhos formativos das redes escolares, mas não numa perspectiva utilitarista. O currículo como indicativo de uma formação que permita aos discentes reconhecer o lugar onde se encontram, as articulações políticas e sociais que os posicionam ali. Uma educação emancipatória agindo para que os estudantes se encontrem neste planeta, que possam dizer exatamente o local que ocupam e sejam capazes de construir, coletivamente, novos lugares sociais, econômicos e políticos. Uma educação que permita a estes cidadãos aterrar, não fugir. Por este motivo, a luta por uma educação pública de qualidade e um currículo que também prepare para a ação política são urgentes.
Sobre os autores
Bruno Francisco Melo Pereira: Licenciado em Física (UFMG), mestre em Educação e Docência (ProMestre UFMG). Professor de Física no Instituto Federal de Minas Gerais e doutorando na linha de Ciências do PPGE da Faculdade de Educação da UFMG. E-mail: bruno.pereira@ifmg.edu.br
Francisco Ângelo Coutinho: Graduado em ciências biológicas (UFMG), mestre em filosofia (UFMG) e doutor em Educação (UFMG). Professor da Faculdade de Educação da UFMG, onde atua na graduação e na pós-graduação. Líder do Grupo Cogitamus – Educação e Humanidades Científicas.
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