E quando a disputa partidária invade a escola?

Luiz Carlos Castello Branco Rena

Artigo XIX
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo XXI
A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Nos dias seguintes ao segundo turno das recentes eleições presidenciais, assistimos inúmeros eventos de protesto de uma parcela da população que se recusa a ouvir a voz das urnas. Lideranças e apoiadores do candidato derrotado passaram a mobilizar os seus seguidores para o movimento de bloqueio das principais rodovias do país. O longo silêncio do próprio candidato derrotado foi interpretado como apoio à atitude antidemocrática de recusa dos resultados proclamados na noite do domingo, 30 de outubro.

Uma cena em especial, que viralizou nas redes sociais, chamou a atenção por ter uma escola tradicional como cenário desse gesto de agressão ao candidato eleito e de rejeição das regras do jogo democrático. Um grande contingente de estudantes de Ensino Médio ocupara o pátio central do Colégio Marista de Curitiba, para proferir insultos contra o Presidente eleito e bradar contra a Democracia.

Ao longo da campanha eleitoral foram muitos os relatos de colegas da Educação Infantil e da Educação Básica sobre situações de conflito envolvendo crianças e adolescentes nas Escolas motivadas pela disputa eleitoral. Algumas dessas situações evoluem para violência, refletindo o clima de intolerância e de radicalização evidentes nas famílias e na sociedade.

Os artigos XIX e XXI da DUDH asseguram a todos e todas o direito de organizar e manifestar livremente suas posições políticas-ideológicas sem risco à sua segurança e liberdade. Aqueles e aquelas que viveram os 21 anos da Ditadura Civil-militar (1964-1985) sabem muito bem o que é sobreviver numa sociedade governada pelas forças autoritárias de orientação fascista. Portanto, é preciso reconhecer como saudável esse interesse dos e das estudantes pela disputa partidária. É desejável e muito importante que essa discussão sobre candidaturas incluísse também o debate sobre os modelos de sociedade e de governança que as candidaturas representavam. Fazer do debate eleitoral uma janela de oportunidade para educar para a cidadania, para a consciência de pertença a um povo e uma nação que não se traduza num sentimento patriótico pueril e oportunista.

Num ambiente de muita radicalização e ânimos inflamados a tendência é reprimir e, em alguns casos, punir as crianças e adolescentes que se confrontam, às vezes, de forma pouco civilizada. Como educadores e educadoras precisamos reconhecer que a via da repressão ou da indiferença, deixando acontecer, não são as melhores respostas para o problema. Seria mais ético e pedagogicamente responsável se a Comunidade Escolar se antecipasse aos conflitos e oferecesse momentos de debate sobre as diferentes dimensões do processo eleitoral e de sua função na consolidação da Democracia e do Estado de Direito.

A democracia brasileira é muito jovem e revelou nestes últimos anos uma fragilidade preocupante, bem como é evidente que há segmentos da sociedade brasileira saudosos dos tempos sombrios da Ditadura. Numa sociedade cada vez mais plural, cabe à Escola a tarefa político-pedagógica de oferecer aos estudantes uma formação teórico-prática para a cidadania e para a convivência com os diferentes. É pela via da educação que poderemos fortalecer o projeto de uma sociedade em que adversários não sejam transformados em inimigos e o conflito das ideias não evolua para atos de violência sem limites.

O processo eleitoral se encerrará com a posse do Presidente eleito em 01 de janeiro de 2023. Mas, o processo político de consolidação da Democracia, de fortalecimento das políticas públicas e de formação de sujeitos críticos, autônomos, livres e criativos continua. Cabe a cada educador ou educadora, individualmente ou coletivamente, descobrir o melhor jeito de participar dessa empreitada que é de todos e todas.

Sobre o autor
Luiz é Pedagogo, Mestre em Psicologia Social/UFMG; assessor da Secretaria Municipal de Educação de Contagem; membro do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Betim; coordenador do Projeto Fala Comigo: masculinidades em debate; Diretor da Casulo Oficina de Conhecimento.


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