Alfredo Johnson Rodríguez
Chegamos ao final do desastroso e tirânico ciclo de um governo ultraconservador, que minou a estrutura de direitos humanos e nos legou uma “herança maldita” na gestão das políticas públicas, sobretudo, de saúde, cultura, educação e meio ambiente, gerando um estrondoso “apagão” socioeconômico no país.
Afortunadamente, pese aos violentos ardis sistematicamente operados pelo bloco golpista, ao longo de seu mandato e da campanha, a maioria da população e as forças políticas democrático-progressistas tiveram êxito ao reposicionar o Brasil nos trilhos da democracia, elegendo novamente Lula para liderar o hercúleo movimento de retomada do desenvolvimento sustentável, de demolição das desigualdades sociais e de reconstrução do Estado de direito democrático. Enfim, renasce a esperança e a possibilidade de promover efetivamente o bem-viver.
Nessa nova e promissora configuração social, não podemos mais ficar reféns das vicissitudes do passado recente, é preciso aprender com ele e seguir adiante, agindo coletiva e articuladamente para restabelecermos o equilíbrio sociocultural e a satisfação subjetiva de aspirar uma vida melhor e realizar nossos sonhos e desejos. É precisamente nessa perspectiva de ação coletiva e proativa que o vocábulo “esperançar” gestado por Paulo Freire, faz sentido: não se trata apenas de evidenciar os fatos e esperar passivamente por mudanças, mas, parafraseando o velho Marx, trata-se de transformar ativamente a realidade.
Portanto, não basta resistir, é imperioso sermos protagonistas na transgressão das adversidades. É vital estarmos cientes e conscientes de que o projeto de reconstrução da democracia e da justiça social não é responsabilidade exclusiva de Lula, de sua futura equipe de governo e dos organismos instituídos. Esse projeto é um compromisso coletivo instituinte da sociedade civil e de suas comunidades diversas, isto é, uma incumbência ética de todos/as e de cada um de nós.
Isso posto e considerando o caos social produzido pela necropolítica do inominável governo em declínio, cabe indagar: Qual é o cerne desse famigerado regresso civilizatório? Obviamente, a resposta consistente dessa questão envolve um empreendimento analítico rigoroso que extrapolaria os limites do espaço disponível nesta coluna, por isso, proponho aqui uma hipótese plausível para prosseguir na minha argumentação. Destarte, parto da suposição de que o âmago dessa dinâmica de “descivilização” em tela é justamente a violação ostensiva e reiterada dos direitos humanos.
Enquanto hipótese de trabalho, esse nefasto ultraje às normas e princípios fundamentais constituídos, que ordenam os processos sociais, exerce um impacto nefasto na vida cotidiana da nação, na medida em que gera nas pessoas medo, insegurança, desespero, perda de sentido e guerra desmedida. Por conseguinte, nessas circunstâncias, a sociabilidade tende ao caos e à instabilidade, está propensa a toda sorte de mazelas, mal-estares e distúrbios que ameaçam e atentam contra a integridade e a dignidade humanas, esboçando um contexto que se aproxima ao imaginado “estado de natureza” hobbesiano (“a guerra de todos contra todos”), situação na qual a política cessa e cede espaço para a violência. Aqui, o autoritarismo, despótico ou tirânico, germina e subverte a democracia.
A corroboração dessa hipótese implicaria, certamente, assumir o tema dos direitos humanos como eixo estratégico prioritário da política a ser ativada pelo novo governo nos diversos níveis e âmbitos institucionais da federação, tornando-se o motor das políticas públicas e da democratização das instâncias sociais, políticas e econômicas (sociedade civil, Estado e mercado). Nesse patamar, os direitos humanos seriam ressignificados ao potencializar o teor emancipatório de sua institucionalização, empoderando os cidadãos/cidadãs para sua plena e qualificada participação na vida e nas esferas públicas, vislumbrando, além da consolidação da democracia, a de-colonização das redes de interação social e da cultura.
Retomando o argumento acima exposto da imprescindibilidade de nosso protagonismo social na realização do projeto político de consolidação da democracia, concebo a escola como espaço potencialmente propício e oportuno para deflagrar e fertilizar processos educativos de sensibilização, conscientização, proposição e disseminação dos direitos humanos. Avalio, em termos pedagógicos, que é urgente dialogar e mobilizar os/as educadores/as da educação básica e superior para defender e deliberar coletivamente a adoção dos direitos humanos como eixo gerador da aprendizagem e, por extensão da BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
Vislumbrando tornar eficaz e exequível a dinamização desse movimento de base nas escolas brasileiras sobre o tema dos direitos humanos, considero ser crucial que as organizações ou instituições – governamentais ou não (conselhos, movimentos, coletivos etc. -, que focam essa pauta, participem ativamente, oferecendo suporte conceitual e operacional aos coletivos de educadores/as e aos/às estudantes, inclusive estimulando e reativando o funcionamento desejável das instituições que integram as redes locais de proteção da criança e do adolescente e promovendo o restabelecimento dos fóruns intersetoriais de debate.
Tudo leva a crer que essa militância de duas frentes, político-institucional e movimentos sociais, centradas na pauta dos direitos humanos e da potencialização de seu ímpeto emancipatória tende a impulsionar a grande transformação do Brasil, rumo à consolidação da democracia, ancorada nos princípios da igualdade, da dignidade humana e da fraternidade que sustentam a Declaração Universal do Direitos Humanos (1948).
Sobre o autor
Pedagogo na Rede Municipal de Betim/MG e Professor universitário. Doutor em Ciências Humanas e Mestre em Ciência Política (FAFICH/UFMG).
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