Quem andou pelo campus central da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, nos últimos dias – o primeiro semestre letivo de 2022 recém começou – pôde ver os cartazes que anunciavam as duas chapas concorrentes à reitoria, cuja eleição em segundo turno foi na última terça-feira, 26 de abril. Trata-se de algo que a comunidade universitária está acostumada, já que a cada quatro anos, desde o início dos anos 1990, escolhe-se, entre membros do quadro docente, quem comandará a instituição. Aos colegas cuja função é a de Técnico-administrativo em Educação (TAEs), é vedada a candidatura, eles que são comumente chamados de “funcionários” (como se os professores não o fossem; na Argentina se os nomeia de “não docentes”, o que é ainda pior).
As duplas que disputaram a decisiva eleição eram entre si diferentes nas propostas e na aposta política, assemelhando-se, no entanto, no sorriso estampado nas fotos que decoram o espaço universitário. Sorrir um pouco não está mal, pode passar a imagem de otimismo, embora, convenhamos, a realidade ofereça poucos motivos para tanto. As imagens fazem pensar o quanto uma disputa para a reitoria acaba assemelhando-se às contendas eleitorais mais corriqueiras, as para prefeito, por exemplo. Nelas, em boa medida o que importa é, antes que convencer, impressionar, buscando uma adesão pelos sentimentos. É certo que a política comporta seus afetos próprios e mobiliza outros, mas um pouco mais de reflexão – o uso da palavra é um fundamento do político – não seria demais. Nesse sentido, o périplo deste ano foi, de qualquer forma, melhor que o de ocasiões anteriores.
A chapa vencedora, formada pelos colegas Irineu Manoel de Souza e Joana Célia dos Passos, foi gestada em debate amplo e aglutinador de um conjunto importante de forças progressistas, apresentando-se com um programa mais detalhado que o de seus antagonistas, mas que tampouco foge muito da generalidade que se vê em pleitos municipais. As inclusões e omissões temáticas talvez digam algo mais do que a letra dos textos que estampam as duas campanhas, tão genéricos que dificilmente podem ser alvo de crítica.
O mais problemático, no entanto, não é isso, senão o fato de que ambas as chapas poderiam ter se ocupado de forma menos discreta da relação universidade-sociedade. Isso é antes sintoma de um processo do que falha delas. Afinal, disputavam a preferência de eleitores, de forma que se lhes colocava a preocupação em apresentar ideias que fossem bem assimiladas por cada um dos três segmentos, estudantes, TAEs e docentes. E a sociedade que está fora da Universidade? É para ela que estamos, não? Isso tudo mostra um movimento entrópico, confirmando uma vez mais que à Universidade interessa, antes de tudo, o que é, por assim dizer, universitário. Sim, preocupar-se com as formas de ingresso e permanência é pensar na sociedade, mas me refiro a algo mais, ao espírito que rege a pesquisa, o ensino, a extensão.
Democracia interna é a palavra de ordem, algo de fato importante em qualquer lugar, mais ainda em um país como o Brasil. Se não tivéssemos eleições para reitor, provavelmente viveríamos algo semelhante ao que vi em uma universidade federal em 1999, em que o mandatário fora nomeado por Brasília depois de ser derrotado no pleito para deputado. Observe-se, no entanto, que nem mesmo a eleição para o cargo garante que a chapa vencedora alcance a reitoria. Trata-se, como se sabe, de uma consulta chamada de informal – um eufemismo para dizer de seu caráter precário –, cujo resultado deve ser referendado por outra “eleição” no interior do Conselho Universitário e então enviado, com mais duas candidaturas vistas como fictícias, para então uma ser escolhida pela Presidência da República.
O grande acordo político segundo o qual a chapa nomeada seria a que vencera as eleições internas tem sido quebrado em relação a outras instituições, a exemplo de tantos outros que sustentam nossa frágil democracia. Esperemos que se preserve o rito democrático. Não custa relembrar a raiz da necessidade de todo esse trajeto: mesmo com prática da consulta informal consolidada, a lei se mantém intacta, prevendo a eleição indireta dentro das instituições federais de ensino superior e posterior escolha presidencial, o que mostra que se prefere assegurar que, em última instância, o arbítrio possa prevalecer.
Dito tudo isso, pondero que se tivéssemos uma democracia consolidada, não nos preocuparíamos em ter que votar para tudo, e talvez até mesmo as escolhas para a reitoria universitária pudessem encontrar formas mais tranquilas e menos custosas de realização. Seria preciso outro o cenário, aquele em que a própria sociedade garantisse que a ordem democrática perseverasse na Universidade. Mas esta é, para aquela, uma instituição distante e até mesmo pouco conhecida.
Às vezes penso que enquanto gastamos tremenda energia em disputas internas, as grandes questões nacionais vão acontecendo frente à nossa apatia. O arbítrio se coloca dia a dia sem que as instituições, como a Universidade, respondam à altura. Agir a favor da democracia exige hoje o voto interno, mas precisamos ir além disso, pensando a vida universitária para fora dos muros que nos prendem e nos acomodam. O que está em jogo é a existência mesma de uma sociedade que, mesmo aos trancos, pode vir a ser, não sem muito esforço, democrática.
Ilha de Santa Catarina, abril de 2022.
Para saber mais:
http://universidadepresente.com.br/
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