Flávio Alves Barbosa
Ao longo da história, muitas foram as formas de cerceamento do Direito Humano ao espaço público. Nas ditaduras, o espaço público foi fechado e, contemporaneamente, por meio das privatizações, ele tem sido reduzido cada vez mais. Portanto, penso que é urgente e necessária uma educação que promova e defenda o Direito Humano ao espaço público. Sem ele, a vida se torna um simulacro de vida, sem espanto, sem a mediação de algo que é comum a toda a sociedade.
Em primeiro lugar, importa dizer que espaço público é o meio que nos possibilita coexistir. Nele descobrimos que não somos somente indivíduos e também que não estamos sós, que não somos uma ilha, por mais que a política do ódio e do armamento queira nos fazer sentir e assumir que, para além dos limites de nossos casos, estamos imersos num campo de guerra e em cada esquina se encontra um inimigo e não um(a) companheiro(a) com quem se pode compartilhar o pão.
O espaço público é como uma placenta que nos alimenta, nos protege, possibilita visibilidade, liberdade e trocas de experiências. Ele nos constitui como seres sociais. É um ambiente antropológico. E é nesse ponto que espaço público e educação se interseccionam, porque etimologicamente a palavra educação vem de educare, que significa criar, nutrir, e também de educere, que quer dizer dar à luz. Ambos são lugares que fazem nascer e proporcionam encontros vitais com o outro no mundo. Precisamos de uma educação que nos leve ao espaço público, mas também devemos nos deixar ser educados e educadas pelo espaço público.
A educação que promove o Direito Humano ao espaço público é aquela que exige de nós abertura, disposição e desejo de promover aproximações, construir redes, partilhar saberes e lutar para que todos os direitos sejam para todas e todos. Para tanto, é preciso ocupar, resistir e revitalizar praças, ruas e parques com teatro, feiras de economia solidária, poesia, música, dança, brincadeiras, rodas de conversa e debates. Nestes espaços, aprende-se a organizar a vida a partir dos direitos coletivos, do bem comum, a organizar a cidadania coletiva que faz de nós pessoas mais e melhores para nós mesmos e o mundo.
A educação que promove o direito humano ao espaço público é aquela que leva ao envolvimento com o espaço público. Um bom método para isso é aquele indicado por Paulo Freire: começar pela leitura de mundo para reconhecer-se como sendo parte do espaço público. Ler o mundo exige a ruptura com a lógica privatista que nos aprisiona em um labirinto de independência a ponto de nada desejar receber do outro. Ler o mundo é aprender a prestar atenção no contexto e no pretexto das e para as diferentes configurações sociais, políticas e econômicas como estruturas de poder, de violência, de invisibilização.
Sem negar a importância das redes virtuais, penso que nesta hora em que vive a humanidade é preciso construir e consolidar redes sociais. Incentivar a ocupação de espaços públicos para afastar de vez as perversas a tentativas de cercamento é um jeito de criar oportunidades para surgir redes sociais, pois neles as pessoas poderão estar face a face, se encontrar livremente para as atividades culturais, o lazer, o diálogo e a construção de projetos comuns que as humanizarão.
Depois de quase dois anos de isolamento social, uma tarefa se impõe: repensar a nossa presença no espaço público e ver como torná-la cada vez mais capilarizada. Quem sabe se poderia começar fazendo piqueniques, saraus e performances culturais, inspirando-se no Teatro do Oprimido, que possibilita transformar o espectador em sujeito.
Para construir e avançar na consolidação do direito humano ao espaço público, é preciso estar nele como que num mirante, lugar alto, aberto, que nos proporciona uma visão muito além de nossas particularidades. O espaço público nos desafia a ver o mundo em sua amplitude e a nos apresentarmos como seres de relações que falam em nome do bem comum e estão comprometidos com ele. Para não abrir mão de nossa vida em sociedade, penso que devemos colocar como centro de nossas lutas o Direito Humano ao espaço público, para mim um direito que precede a todos os outros direitos.
Sobre o autor
Professor da Universidade Estadual de Goiás e educador popular.
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