De mim, “de eu”, “de tu” – epígrafes textuais

Ivane Laurete Perotti

_ Odeio o ENEM!

_ Só mais um exame, mano… relaxa!

_ Não consigo!

_ Se não der neste, tenta no outro.

_ Não posso!

_ Quem impede?

Tudo! Calor. Expectativa. Medo. Tensão. Espera. Texto. Redação. Enunciados. Tema. Texto. Ortografia. Portão. Tema. Aberto. Sintaxe. Fechado. Salas cheias. Suores. Lanche. Certificadores. Números. Senhas. Colaboradores. Hora. Provas. Números. Redação.

Produção de texto. Material. Fixo. Rígido modelo cravado na instância da escrita. Do discurso. Repetível. Audível. Interpretável. Impenetrável palavra em decisão.

Caneta. Rascunho. Tema. “Os desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil.” Ah! Serpente retórica. No Brasil? Lugar. Contração dupla. Frasal. Estomacal. “No Brasil”: povos autóctones abatidos. Negritude cobrada à bala. Preconceitos em rede. Comunidades esquecidas. Abandonadas. /No/ Brasil! Criança cabocla não vê escola. Computador. Livro. Chinelo de mão.

 “Desafios”: eufemismo fraco. Políticas de extermínio. Invasão. Garimpo. Dom Philips. Bruno Pereira. Jornalista. Indigenista. “Uma aventura que não é recomendável”. Disse, capitão! Crimes na Amazônia. Desafio é aceitar a morte por encomenda: Vale do Javari. Atalaia do Norte. /No/ Brasil, desafio é identidade. Ribeira. Terreiro. Pescadores da vida. Por um fio. Por um pente de balas. Falas. Extermínio.

“Valorização”: diversidade? Comunidades. Povos. Quilombolas. Ribeirinhos. Caboclos. Matriz africana. Somos tantas! Tantos! Solução? Apostas no tempo e na vontade. 2023. Reconstrução! No Brasil. Do Brasil. Amém! Asè! Axé! Valei-me, Preto Velho! Epahey Oya!

Na teia do texto, o pretexto para sangrar. Escrita com a “cara” do ENEM exige desenho. À mão. Texto motivador. Recortes. Fragmentos. Eixos semânticos.

Movido a intenções externas, dei rolos ao meu papel. A veia da liberdade afinou-se no oco de minhas ideias. A escrita de mim, de eu, de tu! Viva Darcy Ribeiro! Comecei assim:

“Brasileiro de nascimento, tenho coração no mundo. Introduzindo a introdução, escrevo de mim para mim. Se preferirem, de eu para tu. Vós? Vozes! Com a paciência torrada, estou há dois anos neste funil. Fuzil. ‘A gente morre, na BR 3’. O Tony Tornado é preto. Negro? E vive! Resiste ao luto de todos os dias. Olhares de desconfiança entrando pelo umbigo não fazem samba. Reprovação. Preconceito mata e ganhou força.  Valorizar é pouco. Olhar não basta. Reconhecer não é suficiente. Começou no começo. Colombo errou endereço: terras das Índias? Mataram os Filhos da Terra. Fizeram morrer o indígena para brotar civilidade. Catequizados. Subjugados. Filhos e mães. Crianças e velhos. Extermínio calculado. Piorou em 2019. Todos viram. Ouviram. A voz das meninas indígenas. Olhos fechados.  Deve ser medo. Do outro. Justiça? Empatia? Odeio essa palavra. Veio mel. Virou fel. Bílis da morte. Só casca. Mídias do apagão. Sopra ferida alheia. Compra caixão. As estatísticas crescem. Ocas. Desgovernadas. Soluções bem escritas? Sem ação. Não gosto de parágrafos. Se é para escrever, as frases têm de ficar uma grudada na outra. Feito mãos que não se soltam. Se erro, coloquem na conta. Do contexto. O ENEM é um desafio apenas para quem já tem: educação de qualidade, melhor acesso, condições de evolução e não precisa da pública. Mas sabe que é a melhor. Também sei. O exame não é para todos. Revela o corte. Dentro da escola. Fora da sociedade. Outro assunto. E não fujo deste, por que a escola não é justa. Escola é lei. Não chega onde o povo precisa. Quando chega, não conversa. A mãe natureza dialoga com as quebradeiras de coco.  Catingueiros. Apanhadores de sempre-viva. Conversas. Contratos naturais. Diálogos têm eco. Abraçam. Protegem. Salvam culturas e vidas.  As comunidades tradicionais só tiram da natureza o suficiente para viver. Isso também é escola. Aprendem com as ameaças. Movimentos sociais. Se reconhecem e identificam para sobreviver.  Vendas?  O mercado é bruto.  Existem programas de apoio às feiras: PCTs. Insuficientes. Conhecimentos ancestrais são pisoteados pela velocidade do lucro. Pessoas valem pouco. Gentes não valem mais. Daí que eu devo escrever três soluções para o problema em um texto coerente, coeso. E simpático, para que a banca goste das lógicas de minhas ideias. Elas vão e vêm. As lógicas e as ideias. E o texto que era meu, é de vocês. De eu, de mim, só um epitáfio no bloco da escrita. ‘Para tu, tatu social!’ Queria ser jornalista. Feito o Dom. Estudar os povos, feito o Bruno. Tantas vezes mudei o futuro que perdi amanhã. ENEM! ENEM! Para quem? Eu sei! Eu sei! Cabriolas à parte, se eu escrever intervenções, serei mais um na repetição. A gente sabe. Projetos? Tem! Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais (CNPCT): FUNAI (Fundação Nacional do Índio), MMA (Ministério do Meio Ambiente), MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), SEPPIR (Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial) _ quem assinou o decreto de 27 de dezembro de 2004? Quem? Quem? Aquele que extraiu o dito! Cujo. Então, vamos para outra audiência! Túnel! Funil! Este exame é um sinal: acorda, povo! Viva o povo ancestral!”


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