Uma das formas de ataque do governo Bolsonaro à universidade tem sido sua particular aversão às ciências humanas e sociais. Se a virulência e a violência deste ataque são específicas desse governo, não se pode dizer, no entanto, que ele tenha inaugurado um menosprezo por essas áreas do conhecimento e por seus profissionais.
Nunca é demais lembrar que, há poucos anos, o governo petista excluiu as Ciências Humanas e Sociais de importantes iniciativas no campo da ciência e tecnologia e educação superior, como o Ciências Sem Fronteiras, por exemplo, e que há muito tempo no interior da comunidade acadêmica e científica – o que vale dizer, no interior das universidades – as ciências humanas e sociais não são de grande prestígio ou, mesmo, de suficiente respeito dos pesquisadores das demais áreas.
Há muitas razões para que tal situação tenha sido produzida e reproduzida no país e, num certo sentido, em boa parte do mundo. Como sabemos,as múltiplas metodologias científicas das ciências e humanas e sociais jamais se adequaram ao figurino, por demais limitado, das concepções de ciências cultivadas nas ciências exatas, da saúde ou da terra, por exemplo.
Mas, é também importante dizer que os profissionais formados nos cursos das áreas de ciências humanas – ou que com elas dialogam mais fortemente, como os cursos de licenciaturas os mais diversos – são aqueles que trabalham com as populações mais pobres, notadamente como profissionais das políticas públicas estabelecidas e levadas a cabo pelos órgãos de Estado. Assim, o desprestígio do púbico atendido acaba, por sua vez, fazendo com que os cursos recrutem seus alunos justamente nas parcelas mais pobres da população.
No que se refere, especificamente, ao governo Bolsonaro e aos grupos que o apoiam, não se pode esquecer que eles são explicitamente contra as ciências humanas e sociais porque, segundo eles, estas estariam mais voltadas para a doutrinação das crianças e jovens do que para o ensino de conhecimentos úteis para o trabalho e para a vida familiar.
Retirada a obtusa ideia de doutrinação que os grupos bolsonaristas cultivam quando se referem aos outros – pois a doutrinação religiosa e política que fazem, essa sim, é legítima – pode-se dizer que o campo das ciências humanas e sociais é muito mais afeito às discussões, aos debates e às disputas pelos sentidos das coisas do que as demais áreas. E é aqui, talvez, que reside o perigo dessas áreas para os governos autoritários como este que hoje comanda a República brasileira.
Os regimes e grupos autoritários não gostam da disputa pelos sentidos múltiplos que presidem a organização de nossas sociedades. Querem impor seu entendimento de que há sempre um único sentido correto das coisas – seja essa “coisa” uma família, um livro, um filme, um mapa…. ou seja, qualquer coisa. Do mesmo modo, incomoda aos regimes e aos grupos autoritários que em lugar da violência com que querem impor suas doutrinas, as ciências humanas e sociais ofereçam a palavra e as linguagens, condições fundamentais da política, único antídoto à violência contra os adversários.
É porque é contra a política e a favor da violência como modo de solução dos inevitáveis conflitos sociais, que o governo Bolsonaro e seus apoiadores são contra as ciências humanas e sociais. É porque não têm apreço pela disputa pelos sentidos das coisas por meio da linguagem e é, também, porque desprezam as palavras que estes sujeitos odeiam aqueles que as cultivam.
É por ofertar a palavra e as linguagens à política (e às ciências!), que as ciências humanas e sociais são fundamentais para a democracia. Jamais teremos uma democracia forte, participativa e legitimada politicamente pela maioria da população sem o cultivo das ciências humanas e sociais; jamais teremos políticas púbicas que diminuam as desigualdades e que reforcem a justiça social sem os profissionais e as pesquisas das ciências humanas e sociais. Resta saber se queremos caminhar nessa direção ou continuar no sentido imposto pelo governo do ignóbil Bolsonaro.
Imagem de Destaque: Yolanda Assunção
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