Ao longo deste semestre, nesta coluna que escrevo mensalmente para o jornal Pensar a Educação em Pauta, vou me dedicar a compartilhar com os leitores algumas problematizações acerca de conceitos estruturantes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Enquanto pesquisador no campo dos Estudos Curriculares, senti-me com o compromisso político de compartilhar estudos e preocupações com os professores e com os formadores de professores para a Educação Básica. Para este mês escolhi comentar um dos conceitos controversos que emergiram neste tempo, qual seja: a noção de competências socioemocionais. Organizarei meus argumentos na forma de breves tópicos e, sob este regime de argumentação, gostaria de deixar inúmeras interrogações a serem levadas adiante nas futuras publicações e no diálogo com os leitores.
1. Atualmente, assistimos a composição de uma nova gramática curricular em que noções como competências socioemocionais, habilidades para o século XXI e currículos holísticos têm adquirido centralidade. Os variados sistemas de ensino, os grupos editoriais e as gestões das secretarias municipais de educação assumiram estes conceitos como basilares, vetores de inovação pedagógica e capazes de viabilizar novos arranjos curriculares. O contexto de implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) favoreceu a difusão destes princípios. Ainda que perceba a atualidade desta questão, observo com cautela esta centralidade das competências socioemocionais nos currículos escolares contemporâneos, seja por reconhecer as racionalidades econômicas que são colocadas em ação, seja por considerar violento o tipo de regulação subjetiva que pode ser engendrado. A possibilidade de avaliação em larga escala das competências socioemocionais sinaliza para o caráter pervasivo desta prática, tão individualizante ao ponto de colocar sob análise nossa própria subjetividade. Reconheço a necessidade de pensarmos em uma educação que responda aos desafios e as complexidades do século XXI (e que contemple a formação humana para além do campo cognitivo); todavia, os novos investimentos não precisam ser empacotados em um teste que parametriza um modelo idealizado de subjetividade.
2. Quando pensamos em uma educação de qualidade, via de regra, há uma tendência a articulá-la com o campo econômico. Esta perspectiva atual é reforçada por uma literatura bastante difundida internacionalmente como os estudos do economista James Heckman, Nobel de Economia. Atrelar a formação de pessoas a fatores socioeconômicos não se trata de uma novidade; porém, em nosso tempo, precisamos colocar estes argumentos sob tensão, sobretudo em contextos como o brasileiro (marcado por históricas desigualdades sociais/econômicas/educacionais). Sempre considero problemático quando tentamos algoritmizar a vida humana e, em termos pedagógicos, tornamos o ensino e a aprendizagem em elementos calculáveis. Recomendaria, caso eu fosse consultado, que os institutos que divulgam as competências socioemocionais financiassem programas de pesquisa de longa duração para que pudéssemos, com maior ou menor intensidade, valorar sua potencialidade para a educação de nosso país.
3. As propostas curriculares centradas nas competências socioemocionais geralmente baseiam-se em um modelo psicológico nomeado como “Big Five”. Este modelo aponta para a existência de cinco grandes fatores que poderiam ser medidos cientificamente, tais fatores seriam traços de nossa personalidade como amabilidade, extroversão, abertura a mudanças, dentre outros. O conhecimento destes fatores, teoricamente falando, permitiria a estruturação de um ensino mais personalizado. Em meus estudos recentes, tenho realizado uma crítica às demandas por personalização dos percursos formativos baseados em fatores da personalidade. A promoção de novas oportunidades educacionais é bastante desejável, bem como reconheço como importante o alargamento conceitual da noção de competência. Porém, reitero minhas ressalvas referentes ao risco de tornar os currículos escolares espaços de extrema regulação subjetiva, por meio de modelos de algoritmização da vida.
4. A necessidade de se relacionar bem consigo e com os outros, a capacidade de tomada de decisões com autonomia, as habilidades para lidar com situações adversas ou mesmo o reconhecimento das diferenças não se configuram em uma novidade pedagógica. A busca pelo sucesso escolar e a garantia da equidade são desafios incontornáveis para a escolarização brasileira. Aprendi recentemente com a leitura do filósofo Gert Biesta, bastante traduzido no Brasil, que precisamos revitalizar os debates acerca das finalidades públicas da educação. Ou seja, não precisamos ampliar nosso repertório de ferramentas avaliativas; mas, retomar a importância de estudar com os professores novos projetos intelectuais para o século XXI.
Imagem de destaque: Imagem de destaque: CEFET-MG Campus 2/ Foto: João Pedro Renan
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