Os cursos de pós-graduação constituem o espaço preferencial para a profissionalização de jovens graduados. Neles, inverte-se a relação entre o estudo e sua aplicação. Enquanto na graduação, muitas vezes, os estudos não têm outro objetivo que não seja “passar nas provas”, nos cursos de especialização, mestrado e doutorado, se estuda tendo em vista sua relevância imediata para os trabalhos que estão sendo realizados. Apesar de ainda serem “estudantes”, esses alunos já vivenciam problemáticas profissionais.
Dessa maneira, é na pós-graduação que o processo de profissionalização configura momentos críticos na formação de técnicos, professores ou pesquisadores. Ainda inseguros sobre a área ou tema escolhidos, é atuando sob a supervisão de um profissional experiente que os estudantes verificam se aquela é mesmo a sua “vocação”. Depoimentos de profissionais invariavelmente salientam o papel fundamental exercido nesses momentos para deslanchar irreversivelmente suas carreiras exitosas.
Essa insegurança, inerente à condição de recém-formado, é agravada quando o estudante opta por uma área nova ou pouco desenvolvida, isto é, ainda não estabelecida. Cabe primordialmente ao Estado investir nessas áreas promissoras que ainda não tenham visibilidade no país, ainda que seja por meio do envio de pessoal, inclusive estudantes, para o exterior. O risco desse investimento para o país, é então compartilhado por aqueles que se dispuseram a sair do país para viabilizá-lo.
Face à oferta anual abundante de graduados, muitos deles com excelentes históricos escolares, sem perspectiva imediata de colocação no mercado de trabalho, o Estado intervém oferecendo bolsas de pós-graduação. Essas bolsas mal dão para que os estudantes mantenham seus níveis de vida no país (quanto mais no exterior), mesmo porque é exigida dedicação exclusiva do estudante, impedindo-o de auferir outra fonte de renda. Daí ser comum comparar a ventura desses bolsistas com a dos monges.
Todavia, essas quantias são indispensáveis para a manutenção desses estudantes nos programas de pós-graduação e, na prática, representam um atrativo importante para que surjam candidatos para essas vagas. A difícil acomodação do estudante à nova situação laboral, condicionada por um exíguo orçamento, é muito sensível a qualquer tipo de perturbação, podendo afetar o bom andamento das atividades. Estatisticamente, é grande a probabilidade de o trabalho ser abandonado em seu início.
Qualquer atraso no pagamento dessas bolsas, a simples possibilidade de sua arbitrária interrupção, provoca ineludíveis transtornos, seja para vida do estudante em si, seja para o andamento da pesquisa, seja, enfim, para a consecução da política científica do Estado, devido à ameaça concreta ao seu investimento. Cingido por enormes desafios, pessoais e institucionais, em sua atividade, a mínima perturbação, mormente a financeira, pode detonar o projeto encetado pelo estudante e bancado pela instituição.
Mesmo revertida, graças à intensa mobilização da sociedade civil, a recente interrupção do fluxo de pagamento de bolsas de estudo já provocou inúmeros danos, pessoais e institucionais. A interrupção de pesquisas com cronograma rigoroso, o aborto precipitado de potenciais cientistas e até o cancelamento de reuniões de trabalho agendadas, foram alguns dos males causados por este episódio deplorável no apagar das luzes do atual governo. Mais uma vez e de forma radical, explicitou-se seu descaso com a ciência e o ensino.
Configurado um grave crime de responsabilidade, deveria haver punição para os culpados. Todavia, tal como ocorreu em outras situações, tanto no Ministério da Educação, como no Ministério da Saúde, contando com a complacência dos poderes legislativo e judiciário, simplesmente esquecem-se os fatos, como se nada houvesse acontecido. Espera-se que nesta fase de transição, junto com a atualização dos valores das bolsas, se assuma o compromisso de fazer uma rigorosa investigação desses fatos.
Imagem de destaque: Jornal da USP