As fake news colocam em risco a democracia? 

Leandro Augusto de Rezende

Embora esse fenômeno não seja uma particularidade do Brasil, os últimos anos, sob um regime de inspiração fascista, mostraram como as fake news são uma poderosa arma política utilizada pela extrema-direita, pois, sem a difusão das fake news, os extremistas de direita não teriam conseguido – com a ajuda de liberais, vozes do “mercado”, e da “direita moderada” – eleger seu “governo”, cujo líder mitificado ocupa a presidência do Brasil de 2019 a 2022. Anos que mostraram o perigo, a destruição e o caos que representa a extrema-direita no poder, cuja militância civil de “defensores da liberdade”, sobretudo de empresários e comerciantes, mostrou qual é o conteúdo dessa “liberdade”: a liberdade para coagir e ameaçar a população pobre trabalhadora até os últimos minutos das eleições.

Passadas as eleições que extirparam o regime fascista do executivo e devolveram ao país um governo democrático, as perguntas que se colocam são: o que podemos fazer para combater as Fake News? A ética é uma ferramenta útil para despertar a população do atual pesadelo fascista? Metade do eleitorado brasileiro foi fascistizado?

Por mais que pareçam perguntas aporéticas, “sem saída” ou sem uma “resposta pronta”, o caminho para suas respostas começa a ser trilhado quando focamos no cerne do problema. A partir dele, a realidade demonstrou algo alertado há tempos pelos materialistas, a partir de Marx: a ética, a “lei moral” como pensava Kant ou o recurso à eticidade, como pensava Hegel, através do Estado, e os liberais, através da individualidade, esvoaçam no ar, são inúteis frente ao individualismo atomista e mercantilizado capitalista.

A partir do momento em que nos tornamos mera força de trabalho disponível no mercado para ser vendida e comprada, nos tornamos mercadorias individuais produtoras de outras mercadorias. Portanto, ao nos tornarmos coisas, mesmo a nossa sobrevivência particular se torna coisificada, supérflua. Mercantilizados, nosso querer, o que nos move, está fora de nós, na mercadoria que consumimos e somos, ou seja, está fora de nossa humanidade – resumidamente, o que Marx irá chamar de fetichismo da mercadoria. É como se o estado de desumanização de fora pra dentro nos fizesse chegar ao estágio de desumanização de dentro pra fora. Nos autonomizamos como sujeitos da desumanização.

Assim, a ética, como conjunto de princípios que depende da razão para atuar, de um ser racional, é impossível de ser alcançada nesse estágio. Esse ser racional “inato”, que existiria em cada um de nós, “humanos por natureza”, deixa de existir. Apenas o irracional, a “animalidade” de nossos afetos nos move. É o fascismo, que sempre aparece sob contextos das crises sistêmicas mais severas do capitalismo. E o que tornou a crise de 2008 mais perigosa do que a de 1929 é justamente essa exponencial capacidade de fascistização da população em grande escala e em curto espaço de tempo pela tecnologia da informação e seus media corporativos.

Em certa medida, as fake news são a velha tática da psicologia de massas do fascismo, mas que ganhou amplitude mediante os atuais aparatos tecnológicos de difusão de informação. Resumidamente, a psicologia de massas do fascismo utiliza-se de certas predisposições afetivas e socioculturais que adquirimos ao longo de nossas vidas, ressentimentos recalcados em nosso inconsciente que são catalisados para formar a “consciência” das massas. Através de suas propagandas, mensagens e narrativas, a psicologia de massas do fascismo canaliza preconceitos que já estão arraigados em nós.

Para combater isso, precisamos exigir do próximo governo mais atenção em relação à formas de regulamentação contra a propaganda da extrema-direita e seus canais, no intuito de desmantelar um tipo de Big Brother Fake: o atual Estado neoliberal “não-intervencionista” e sua retórica baseada em uma “liberdade individual” abstrata. A partir disso, precisamos exigir políticas de valorização do trabalho e distribuição de renda, para que trabalhadores e trabalhadoras, abandonados à exploração no trabalho informal e precário, não fiquem à mercê de práticas coronelistas, da “liberdade” exercida por representantes políticos locais, empresários e comerciantes inescrupulosos – algo que explica o número expressivo de votos para a continuidade do projeto de destruição neoliberal-fascista: trabalhadores e trabalhadoras coagidos sob a ameaça da perda do emprego e de benefícios sociais. Mas, principalmente, precisamos fazer um trabalho de base que além de esclarecer a população trabalhadora, ataque os preconceitos arraigados na sociedade, em nós, pois eles são o combustível das fake news.

Pois, por mais que precisemos de uma outra sociedade para além da sociedade capitalista que, obviamente, não vai desaparecer de um dia para o outro, podemos começar atacando aquilo que é anterior à sociedade capitalista: questões histórico-culturais que são o objeto das fake news, que são munição para que a extrema-direita ascenda ao poder, corroendo a democracia para a ascensão do fascismo ao mesmo tempo que promove projetos liberais de destruição de direitos sociais – sua “pasta econômica”.

Precisamos urgentemente discutir sobre temas que foram objeto político das fake news como democracia e ditadura, liberdade individual e responsabilidade social, direita e esquerda, comunismo, capitalismo e fascismo, mas, principalmente, discutir aquilo que sempre foi tabu em nosso senso comum: sexualidade e religião.

Precisamos nos posicionar nesses assuntos assim como nos posicionarmos politicamente para além de nossa bolha “informada”, portanto, entre aqueles e aquelas cuja informação e formação foram negadas historicamente, para que as discussões sobre tais assuntos não sejam mais tabus, sejam normalizadas, sejam cotidianas.

A noção de diversidade precisa ser uma pauta popular, pois, enquanto permanecer como pauta da esquerda, o restante da população que permanece desinformada será presa fácil das fake news, da psicologia de massas do fascismo, cuja principal forma de persuasão é através da tida “pauta de costumes”. Como consequência, teremos grande parte da população como presa da extrema-direita e de seus projetos de “governo” fascistas.

Por fim, por mais que os traumas e o choque dado pela ascensão da extrema-direita no Brasil com o bolsofascismo deixe a impressão de que a sociedade brasileira se tornou mais doente, a verdade é que essa trágica experiência apenas mostrou que essa sociedade sempre foi doente, mas nós acreditamos na ideologia (liberal) de que esse ainda era o melhor modelo de sociedade que tínhamos. Por mais que números revelem que metade do eleitorado brasileiro teria sido fascistizado, a verdade é que tivemos uma captura tanto das instituições brasileiras, colocadas à serviço de um projeto de “ajuste econômico” neoliberal, quanto da identidade brasileira, fragilizada por esse mesmo projeto e pelo recalcamento de séculos de exploração colonial e imperialista que cimentou uma sociedade de classes racista e patriarcal.

Portanto, precisamos, urgentemente, de um outro modelo de sociedade. A crise política que trouxe à tona a crise da identidade brasileira também fornece a crítica em relação a qual modelo de sociedade queremos, cuja realização depende da luta daqueles e daquelas que, apesar de sempre colocados na posição de derrotados, como minorias sociais, são os únicos capazes de se levantar enquanto maioria que luta, seja no dia a dia, seja na esperança concreta de uma outra realidade a ser edificada. E, para que um modelo novo surja, é preciso abandonar o modelo corrente, nos posicionar contra este modelo, entendendo que ele não nos serve mais, pois, de sua superação depende a nossa sobrevivência e a nossa re-humanização.

Sobre o autor
Leandro é graduado em Filosofia pela PUC/MG (Licenciatura) e mestrando em Filosofia pela UFMG (Estética e Filosofia da arte).


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