Samuel José Santiago*
Segundo pesquisa realizada em 2018 pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), 73% de adolescentes e jovens entre 13 e 21 anos identificados como LGBT´s sofreram algum tipo de agressão física ou verbal no ambiente escolar. Esses dados contrastam com o que preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo segundo que afirma a igualdade de todos e todas “sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”. E também com as orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que prevê que o ambiente escolar deve ser espaço para discutir e analisar as causas da violência e desrespeito contra populações marginalizadas, incluindo assim, a comunidade LGBT.
O que se pode perceber diante disso é, ainda hoje, a ineficácia da educação para os direitos humanos dentro do ambiente escolar, que consequentemente resulta em uma escola LGBTfóbica, reprodutora de discursos de ódio e muito pouco inclusiva. A pesquisa da ABGLT ainda nos mostra que as agressões não partem apenas dos colegas de classe, há inúmeros relatos de pessoas que são agredidas, principalmente de forma verbal, pelo próprio corpo técnico da escola, tanto professores, diretores, quanto, coordenadores pedagógicos e demais funcionários. O país que mais mata LGBT’s no mundo – o Brasil – reproduz o preconceito e a discriminação também na educação que, inserida nesse contexto, não está isenta das marcas do machismo, misoginia, racismo e LGBTfobia ainda hoje presentes em suas estruturas sociais.
A escola, nesse sentido, se tornou um ambiente hostil aos meninos e meninas que não se enquadram nos padrões heteronormativos e, quase sempre, compactua silenciosamente com a violência e a discriminação quando se trata de discussões acerca da LGBTobia, seja pelo problema estrutural como já dito, seja pela incapacidade dos professores e corpo técnico de dialogar a respeito da temática. É muito claro que a formação de professoras e professores no Brasil precisa avançar nesse sentido, trazendo novas metodologias, dialogando com novas propostas educativas, mas principalmente incorporando tais discussões no processo formativo dos futuros docentes, capacitando que saibam lidar com a presença da diversidade no ambiente escolar.
É desafiador ao processo de ensino-aprendizagem viabilizar, como nos orienta Paulo Freire, uma educação que não seja opressora e que contemple a diversidade. Precisamos refletir que o combate à LGBTfobia no ambiente escolar não se trata exclusivamente de ler, ou afixar no quadro uma lei que coíbe a prática preconceituosa, mas precisa se dar e ser encontrado no processo, que em si deve ser inclusivo e comportar todas e todos com dignidade. Para tanto, é fundamental que a inserção da temática aconteça de forma gradual, constante e interdisciplinar; não sendo dever exclusivo de um professor ou professora, ou de um componente curricular. O combate à intolerância deve permear as disciplinas de forma natural, para além dos casos isolados que um ou outro professor ou professora enfrente nas salas de aula. A escola, nesse sentido, deve ser compreendida como um espaço que proporciona o debate e a prática da liberdade, considerando que cada um e cada uma pode ser o que é e tem direito a ser feliz como é.
Compreender a diversidade enquanto componente do ambiente escolar não pode ser uma opção ou um modelo de gestão, mas, sim, um imperativo ético e uma obrigação legal, que deve ser respeitada e difundida. A diversidade sexual propriamente dita deveria encontrar um lugar de respeito e de diálogo principalmente dentro das escolas. A sexualidade é um elemento de identificação e identidade inerente a todo ser humano e infelizmente ainda estamos caminhando a passos muito curtos em relação ao combate à LGBTfobia no ambiente escolar; as crianças saem de uma realidade opressora, dentro de suas casas e de suas comunidades religiosas, que na maioria das vezes coíbem e criminalizam aquilo que essencialmente elas são, e não encontram na escola um refúgio seguro, que oriente e que liberte.
Nesse sentido, mais uma vez trazendo à luz a reflexão freiriana, o processo educativo precisa se dar na alegria, compreendendo a vida dos discentes como ferramentas libertadoras que ampliem, desde o início do processo, o entendimento de respeito, liberdade e direito. A escola deve se tornar um ambiente de construção coletiva de saberes inclusivos, um espaço tempo que perceba, naquilo que o outro é, uma potencialidade infinita de respeito que amplia e qualifica os cidadãos e cidadãs na luta pela dignidade coletiva. Assim, aprender a lidar com a diversidade e perceber nela a beleza da vivência comunitária farão com que a escola seja o lugar da procura, mas também do achado, da construção da boniteza e da alegria.
* Samuel José Santiago é licenciado (UEMG) e mestrando em História (UFSJ). Professor da rede estadual de ensino na cidade de Nova Serrana (MG).
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