Amigas que se encontraram na história

Ananda da Luz Ferreira

“Quando se consegue provocar o encantamento nas pessoas pela palavra escrita ou falada em prosa ou em versos, o resultado é fascinante!” (Sonia Rosa)

Inicio com as palavras da autora Sônia Rosa (2017) por acreditar na potência que as literaturas têm em afetar o/a leitor/a e, assim, reconstruir percepções de mundos. Quando as pessoas se afetam pela leitura, pelas histórias dos livros, os territórios que as pessoas-leitoras habitam se transformam também. A partir dessa perspectiva, apresento o livro Amigas que se encontraram na História.

Lançado em 2020, conta a história de encontros entre diferentes mulheres na História que se tornaram amigas e re-construíram mundos, ao redor, juntas. O livro conversa diretamente com mulheres que estão na luta por respeito, com meninas que precisam crescer em um mundo diferente e para homens e meninos que necessitam se nutrir com outras narrativas, pois é necessário que todos/as reconheçam o quão múltipla é a sociedade.

O livro possui textos de Angélica Kalil e ilustração de Amma. Foi publicado em sua primeira versão pela Quintal Edições e foi vencedor do prêmio Jabuti – 2021 na categoria de melhor livro juvenil. No ano de 2022 foi republicado pela editora Seguinte, do grupo editorial Companhia das Letras e foi lançado o volume 2 da obra.

O livro é gostoso de pegar e passar cada página é um prazer, tanto pelo texto quanto pela ilustração e designer. Ao abrimos as orelhas, a ilustração da capa continua do lado de dentro, construindo a sensação de que é um grande encontro alegre com as muitas mulheres que o livro apresenta. Logo nas páginas iniciais lemos a frase “Amigas mudam o mundo”, talvez para podermos lembrar do que não nos foi dito, mas praticado pelas nossas ancestrais. O sumário apresenta de imediato que serão dez encontros e que passearemos pelos anos de 1593 até 2020. O sumário tem formato de linha do tempo, o que é interessante e já deixa explícito que a ordem escolhida para apresentar as mulheres foi o tempo em que as personagens viveram.

Cada capítulo, um mundo que se abre com seus nomes saltando uma página e ganhando outra, são grandiosos demais para não transbordarem para a página ao lado. As silhuetas das mulheres são repletas de informações que fazem os olhos vibrarem, sem contar as cores que são muitas e dão mais personalidade às múltiplas mulheres, para cada encontro, cores diferentes porque somos diferentes e vivemos em tempos e territórios diferentes.

Virar as páginas é viajar nas construções realizadas por mulheres que se encontraram e vislumbraram possibilidades do fazer juntas: Elizabeth e Grace, Bartolina e Gregória, Qiu e Xu, Annie e Cecília, Chavela e Frida, Ivone e Nise, Ella e Marillyn, Mae e Michelle, Emma e Malala, Angélica e Amma. A grandiosidade das histórias de mulheres que se ajudam e não competem é importantíssimo para desconstruir uma sociedade machista que ensina, todos os dias, em todos os lugares, que mulheres são naturais rivais; nos dizendo que a sororidade e a dororidade não existem porque mulheres competem entre si. Contrariando o patriarcado, o livro mostra que mulheres podem ser parceiras, construir e revolucionar juntas. Apresentam mulheres que não se odeiam e saber disso quanto antes é romper com a lógica do patriarcado.

É um livro que ao ser lido, folheado, refletido (…) afeta no sentido mais amplo que essa palavra possa ter, constrói sentimentos mil e favorece diálogos entre. Entre-si, entre-mundos, entre-gente, entre-linhas, entre-imagens. Diálogos que transmutem dores e multipliquem alegrias, que na boniteza da narrativa afeta a pessoa leitora e suas percepções. É importante compreender que a literatura pode provocar reflexão e transformar, porque é arte munida de múltiplas possibilidades de conversar com diversas pessoas de formas diferentes. De acessar as subjetividades e convidar para conversar com o coletivo.

A literatura sendo arte é transforma-dor-a. Cura sutil e poética de relações, de possibilidade de dialogar consigo mesmo e com outros em tempos que estamos nos privando da conversa com o diferente. Literatura é força agente porque, como Eliana Debus (2017) afirma, tem o poder de “carregar consigo uma força humanizadora” e Maria Anória (2014) provoca “A literatura é, sem sombra de dúvida campo fértil a esse propósito, por ser constituída de uma linguagem rica, polissêmica; logo, susceptível à ressignificação do universo que se delineia à nossa frente e a outros de terras longínquas”.

 

Sobre a autora

Doutoranda em Difusão de Conhecimentos (UFBA/IFBA/UNEB) com a pesquisa Na beira da estrada: ser criança às margens da BR-101.Mestra em Ensino e Relações Étnico-Raciais pela UFSB com a pesquisa Karingana wa Karingana por entre histórias africanas e afro-brasileiras. Pedagoga com Especialista em Livro para infância n’A Casa Tombada com a pesquisa Por um fazer cotidiário: educação antirracista e os livros para a infância. Professora e co-coordenadora da Pós-Graduação O Livro Para Infância: processos de contemporâneos de criação, n’A Casa Tombada-SP.

 

Para saber mais
DEBUS, Eliane. A temática da cultura africana e afro-brasileira na literatura para crianças e jovens. São Paulo: Cortez, 2017.

KALIL, Angélica. Amigas que se encontraram na história. Ilustração Amma. Belo Horizonte: Quintal Edições, 2020.

OLIVEIRA, Maria Anória, de Jesus. África e Diásporas na Literatura Infanto-Juvenil no Brasil e em Moçambique. Salvador: EDUNEB, 2014.

ROSA, Sonia. Entre textos e afetos: formando leitores dentro e fora da escola. Rio de Janeiro: Malê, 2017.


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