Euclides Victorino Silva Afonso
Jamile dos Reis Santos
Quando se fala hoje em poesia, como um texto do tipo discursivo que se diferencia da prosa, em geral, se faz referência à modalidade lírica, assim como outras modalidades históricas de poesia, a épica e a dramática, são no entanto as mais raras atualmente, ao passo que algumas formas mais contemporâneas, como a poesia concreta ou alguns poemas. A linguagem lírica tal como ela se apresenta, subjetiva, tende às manifestações de expressões de sentimentos internos e em um tom de confissão. “Em Édipo e a paixão”, de Hélio Pellegrino, o conto revela sentimentos e compostos por atributos metafísicos e existenciais. Para esses tipos de textos, é, por sua vez, necessário que se compreenda a intenção do escritor (a), o que não inibe qualquer possibilidade de interpretações, pois o lirismo nasce de “uma expressão do modo de conceber e de sentir” onde “o poeta não se anula ante o objeto”. O contexto é sempre precípuo para absorção do gênero e da forma poética entrosada. A linguagem lírica por vezes utilizada, preocupa ao leitor e leva-o a uma série de significados do “eu lírico”, pelo construto de ritmo e da imagem disposta no texto, á farta de subjetivismo, por vezes exacerbado, constitui a criação do romantismo.
Em Menino a Bico de Pena, de Clarice Lispector, o texto é composto por um conjunto de elementos estéticos pelo sentido da mensagem, que define a própria “arte poética”. Para leitura destes textos líricos, sugere-se do leitor, máxime na decifração da mensagem, exige-se uma “intimidade” com a obra, que dá valência no aprofundamento das interpretações.
Clarice Lispector, nasceu na aldeia de Tchetchelnik, na Ucrânia, no dia 10 de dezembro de 1920, filha de Pinkouss e Mania Lispector, refugiados no Brasil. Foi uma jornalista e é considerada até hoje uma grande escritora brasileira do século XX. Foi autora de romances, contos e ensaios. A data do seu Falecimento foi em 9 de dezembro de 1977. Já Hélio Pellegrino foi um psicanalista, escritor e poeta. Nasceu em Belo Horizonte (MG) no dia 05 de janeiro de 1924, filho de Braz Pellegrino e Assunta Magaldi Pellegrino, com formação em medicina começou a escrever seus poemas em 1939. Chegou a falecer em 23 de março de 1988.
Hélio Pellegrino em sua obra, visando a análise sobre linguagem e constituição do sujeito em “Édipo e a paixão”, a linguagem utiliza-se de um conjunto de representações, de sentimentos, emoções e atitudes, empregada, caracteriza-se pela seriedade daquilo que provocou a paixão e o medo, que tem um reflexo sobre a recepção do público. Uma escrita mais livre e que evolui abrindo espaço para novas significações em torno do desejo. Sustenta-se o efeito poético assim como o metafórico, liberta o sujeito para refazer o roteiro de sua trajetória a partir da trama.
No conto, o sujeito tem como destino matar o próprio pai e se casar com a própria mãe. O complexo é construído a partir das construções freudianas que acentuam a ocorrência de que se dá pela submissão dele, e a de descrever o processo de formação sexual e os conflitos decorrentes, da ligação entre a criança e as figuras parentais. A partir da inscrição do simbólico, o “eu” enquanto sujeito faz ele existir, a função paterna possibilita as identificações e constitui-se o ideal do eu, ao terceiro tempo do Édipo onde o desejo do sujeito vai representar a masculinidade.
A ideia de um sujeito inconsciente se fundamenta na ideia de que o indivíduo, antes mesmo de nascer já foi conceituado em um contexto em que estava envolvido, com uma realidade cultural por significantes que o inseriram na ordem simbólica em que ele irá posicionar-se a partir do complexo de Édipo, que será resolvido pela localização do sujeito nessa rede de relações simbólicas, que estabelecerá a ordem a partir da própria função da linguagem, que determina a realidade do sujeito.
No processo de identificação se dá pela via da falta, a sexualidade do sujeito, inscrita na cultura. Essa teoria é revogada cedendo espaço para o inicial conceito de identificação, serviria de base para a primeira versão do complexo de Édipo. Aqui, a identificação seria o processo de assemelhação aos modelos adultos, do que decorre o fato de que esse modelo se baseava em um referencial heterossexual e tinha como pressuposto o desejo sexual enquanto imitação do padrão experimentado pela criança através dos pais. As reações são tomadas pelo sentimento do indivíduo e é possível enxergar as transformações externas, aqueles que foram os problemas causados, e as transformações internas, aquelas de ordem íntima, o sentimento do sujeito provocado pelos desejos, que permite a correspondência com realidade, a interação entre o subjetivo e o objetivo.
Em “Menino a Bico de Pena”, Clarice enredo se organiza a partir de um agrupamento de personagens; além das citadas no conto, há uma outra voz que se organiza e aparece na composição do texto, mas que não se deve tomar como personagem da narrativa. Ela é, antes, o fio condutor da trama, dá-se do começo ao seu fim. É por meio dela que se conhece a mãe e o menino, o desenrolar das ações, bem como a subjetividade das personagens. A princípio, pode-se até pensar tratar-se de algum observador externo, descrevendo um menino em sua rotina familiar. A voz que narra assemelha-se mais a um “fantasma”, um ser desencarnado e que se faz presente ao enunciar-se. A voz que conduz a narrativa, diferencia-se ainda do narrado. Na linguagem, fornece substrato ao fazer poético que retrata as mudanças, o progresso, a revelação, mas sua ambiguidade, ou melhor, sua força criadora tem tal raio de expansão na recepção, muitas vezes vale mais que revela da fonte do discurso, do lugar/ser que enuncia.
O enunciado deste conto é só um reflexo e que depende de como se retrata e percebido pelo Outro. Clarice espreita o menino no seu (dele) ser para fazê-lo aparecer no seu (dela) escrever, como se a revelação fosse quase impossível: “não sei como desenhar o menino a bico de pena”, o que se compreende em relação, a mãe não consegue revelar o que menino seria naquele momento por estar numa fase de construção. Neste caso, o sujeito é construído a partir deste lugar simbólico, da cultura, que se dará por meio do contato com as pessoas, das experiências, do falar, da subjetividade que forma a sua identidade. Clarice fez menção sobre o conhecer da criança, ela (a mãe) só vai conhecer na medida em que vai se “desfazendo”, se construindo, se despedaçando: Lá está ele no ponto do infinito e ninguém saberá o hoje dele, nem ele mesmo (trecho do conto).
O texto tenta mostrar a revelação da descoberta do mundo a partir de uma criança, o menino que vai conhecer novos seres ao longo do crescimento, que é ainda muito independente do seu entorno, da mãe, e que vê a casa como a grande metáfora do seu universo. Ninguém conhece o hoje dele nem o futuro (trecho do conto), naquele momento, o atual é o mais importante é o agora, o presente. No entanto, no conto, nem o menino tinha um nome, a razão pela atribuição do título da escritora “o menino a bico de pena”.
Assim, como resultado dessa relação inicial com a mãe, a criança se oferece como objeto de desejo, ou seja, cria uma imagem e um corpo, estabelecendo sua confiança na afirmação do Outro (a mãe), que é referência a um outro integrado na linguagem. Ao assumir esse lugar, de ser aquilo que corresponde ao desejo da mãe, aliena-se, se identifica subjetivamente como objeto e como um sujeito. Essa relação é essencial para o bebê porque é a partir dela que ele pode se valer para inscrever-se enquanto sujeito na linguagem, servindo-se dos significantes que recebe da mãe, enquanto encarada como Outro, e ganhando uma noção imaginária de integridade para seu corpo. Esse processo é chamado estádio do espelho, no qual o bebê constrói sua imagem “a partir da alienação fundamental e inicial deste o Outro materno”.
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