A rainha da sucata e o sucateamento do Brasil

Vagner Luciano de Andrade

“Quando conheci o Bolsonaro pessoalmente, encontrei um cara doce, um homem dos anos 1950, como meu pai, e que faz brincadeiras homofóbicas, mas é da boca pra fora, um jeito masculino que vem desde Monteiro Lobato, que chamava o brasileiro de preguiçoso e que dizia que lugar de negro é na cozinha”. Recentemente, a mídia brasileira voltou-se para Brasília para mais um dos absurdos políticos que a nação tem acompanhado. Uma atriz de renome e popularidade, que encenou dois papeis de destaque na televisão, o primeiro, Malu (1980), como uma mulher recém separada que tem que se emancipar e criar a filha e depois, Maria do Carmo Pereira (1990), uma filha de sucateiros que ascende à alta sociedade paulistana.

A mulher emancipada e protagonista interpretada por aquela que ficou conhecida como a “Namoradinha do Brasil” decepcionou. Parece estranho ou absurdo, mais é apenas mais um capítulo da Telenovela em que se transformou o Brasil. O destaque é que a respetiva atriz é ruralista e fora convidada para comandar a pasta da cultura. Nitidamente no âmbito do sucateamento brasileiro, sua aparição foi um triunfo aos latifundiários. Eis que então, ecologia e educação se refazem como resistências ao agronegócio.

Os retrocessos recentes em termos de desconstrução das políticas e leis ambientais mostram que a bancada ruralista está vencendo o jogo. A ampliação do uso de agrotóxicos proibidos internacionalmente. A devastação de biomas significativos, a desterritorialização de comunidades tradicionais, em especial, indígenas e quilombolas demostram que a democracia está em desconstrução. É preciso se revestir e resistir para que uma sociedade equânime se amplie. Não se pode deixar que as aberrações do desgoverno atual vençam e ampliem as desigualdades sociais e potencializem mazelas diversas. Os ruralistas brasileiros sempre se destacaram no cenário governamental, com representações em diferentes esferas. E o agronegócio se amplia consideravelmente intimidando outras formas produtivas tradicionais.

Pensar em ferramentas de valorização da cadeia produtiva, em especial, no agronegócio, é falar de desrespeito à questão ambiental e cultural. Diferentes autores reforçaram historicamente as práticas ilícitas do agronegócio, que violam diretos fundamentais de populações tradicionais do campo. Sinceramente, não se veem perspectivas favoráveis para o campo, pois a vértice capitalista neoliberal tem desconstruído paisagens e culturas e ameaçado biomas como o cerrado, a Amazônia e a mata atlântica. Mas se não há volta nesta contramão societária, uma coisa se evidencia, a educação ambiental deve denunciar os absurdos do agronegócio. Se o mundo é consumo, que o cidadão consumidor esteja ciente dos impactos ambientais, sociais e culturais do agronegócio para se posicionar e boicotar e/ou exigir novas posturas e protocolos na produção de produtos agrícolas. Uma grande utopia para animar tantos que desanimaram ou desistiram da luta.

Mais do que nunca, a sustentabilidade tem que ser o selo de certificação societária, um elo de equidade, pois uns consomem em demasia e outros não tem o suficiente para sobreviver. A sustentabilidade é uma real utopia, a ferramenta chave para a conscientização acerca da responsabilidade capitalista na exploração dos recursos naturais, orientando grandes produtores e latifundiários a diminuírem seus impactos sobre o meio, em especial, o desmatamento dos biomas e a extinção de espécies animais e vegetais. Se a produção industrial demanda incansavelmente por matérias primas, é preciso repensar o projeto de sociedade posto, suas mazelas e conflitos. Chega de sucateamento! Assim fontes alternativas de energia, controle da poluição industrial devem ser premissas. O consumo deve ser responsável, tendo a publicidade, um efeito direto no consumismo desenfreado da sociedade, quando a noção de finitude dos recursos naturais é repassada através da obsolescência planejada e da perceptiva. Se o ser humano, culturalmente consome, o consumismo exacerbado precisa ser revisto com vistas a reduzir a produção de lixo, tanto no campo, quanto na cidade.

A sustentabilidade agrícola se efetiva como meio de resistência, de reinvenção do caos moderno. A ecologia e a educação se reafirmam como bandeiras de uma resistência histórica ao agronegócio. Nenhum direito a menos! Neste contexto, se enquadram práticas efetivadas em sinergia com o ecossistema, no qual a produção se dá em ciclos fechados, com uso da química verde, com geração zero de resíduos, com uso de energia renovável, e principalmente com o protagonismo social consolidado nas economias locais vivas.

A educação básica do campo e para o campo, deve ter normas técnicas e protocolos pedagógicos com vistas à emancipação e potencialização de protagonistas socioambientais. A escola camponesa é o espaço que gesta e articula projetos ambientais interdisciplinares para resistir aos mandos e desmandos do agronegócio. Ecologia e educação para a formação de agentes de liderança e resistência. A educação ambiental deve capacitar as pessoas para o exercício pleno e contínuo da cidadania, desenvolvendo protagonismo e emancipação dos diferentes sujeitos. O atual cenário sociopolítico é desafiador e forma agentes ambientais para ação em diferentes contextos, realidades e recortes espaciais. Por último, o protagonismo e a emancipação são elementos chaves para mudar a realidade rural brasileira e acabar de vez com o analfabetismo cultural, político, educacional, ambiental e social que assola a nação.


Imagem de destaque: AP x 90 / Unsplash

 

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