Herbert Glauco de Souza
Quando se pensa e se escreve de forma analítica sobre uma determinada técnica, conhecimento ou ciência, utilizamos a palavrinha meta para indicar nossa finalidade. O destrinchamento analítico feito pelo especialista em determinada área nos permite a compreensão minuciosa e ao mesmo tempo fisiológica do objeto em questão.
Mas no caso de Cinema Paradiso, a metaestética empreendida por Giuseppe Tornatore não é fria e científica como uma metalinguística ou uma metaciência. O filme é uma ode ao cinema naquilo que esse último tem de mais patológico e poderoso. Mas atribuir o adjetivo patológico a um filme pode soar estranho, e soa porque patológico relaciona-se ao estudo das doenças. Dirão: “O que o filme tem de doença?”.
A sétima arte e não somente ela, mas também todas as artes têm muito de doença e eu vou explicar. Patologia etimologicamente vem da junção de duas palavrinhas gregas: pathos e logos. Vamos nos deter na discussão da primeira – Pathos – que significa afecção em grego e era usada pelos gregos antigos em dois sentidos: as afecções da alma e as afecções do corpo. As afecções do corpo eram as doenças (gripe, câncer, etc.), já as afecções da alma se relacionavam aos sentimentos (ódio, raiva, amor, paixões); em suma, afecção caracterizava qualquer tipo de desarmonia provocada no corpo ou na alma e que tinha um agente externo. Mas o que isso tem a ver com as artes? Para os gregos antigos, uma obra de arte era avaliada e respeitada não só pela proporcionalidade e beleza de suas formas e composição, mas também pela sua capacidade ou não de provocar em que desfrutava das artes o sentimento de pathos. A grande obra de arte era aquela que desconsertava, desarmonizava, “desconfortava” a alma e o corpo de quem as presenciava. Pensemos na virulência (pra usar uma expressão adorniana) da tragédia grega nos seus tempos áureos, que era mais do que uma obra de arte, era uma instituição e tinha uma importante função moral e educacional. Pensemos em Édipo Rei de Sófocles e como a tragédia da família de Laio nos afeta ainda hoje. Para se atingir a finalidade da comoção e desestruturação emocional de quem as presenciava, as tragédias eram compostas e pensadas de maneira extremamente minuciosa e concatenada, não era só a encenação e diálogos que aguçariam no momento da peripécia o sentimento do trágico, o coro através da dissonância musical também era um elemento fundamental.
Pois bem, Cinema Paradiso (1989) é uma obra de arte, é uma arte falando de si mesma, mas falando daquilo que ela tem de mais passional e patológico, e para aguçar nossas emoções Giuseppe Tornatore lança mão de um mestre da música cinematográfica – Ennio Morricone.
Esse filme que já nasceu um clássico é uma pequena história do cinema e a importância dessa arte para várias gerações, história contada não de uma maneira fria e analítica, mas extremamente passional, contada pelas experiências de quem vivia naquele pequeno vilarejo fictício (mas com o qual nos identificamos) na Sicília. Interessante perceber o entrelaçamento existente entre a vida do pequeno cinema da cidade e a vida das pessoas e como que devido às próprias vicissitudes históricas e sociais aquele cinema vai se transformando concomitantemente às vidas das pessoas.
Cinema Paradiso provoca pathos porque nos identificamos com as sensações e as experiências ali vividas, projetamo-nos e nos vemos na própria tela do Nuovo Cinema Paradiso.
Professor Substituto da Universidade Federal de Ouro Preto e Doutorando em Educação pelo PPGE: Conhecimento e Inclusão Social da FaE/UFMG. E-mail: herbert.filadelfia@gmail.com