A indisciplina no contexto escolar e a prática docente – Tiago Tristão Artero

A indisciplina no contexto escolar e a prática docente

Tiago Tristão Artero

Para entendermos a indisciplina no ambiente escolar, é preciso observarmos o ser humano em suas relações.

Há, nas relações produzidas no âmbito escolar, nas atitudes humanas, a cultura impregnada em cada ato. Esse aspecto é observado quando analisamos a origem familiar de cada aluno, o contexto social de sua comunidade, suas crenças e as oportunidades de interação proporcionadas na escola.

Toda essa bagagem está intimamente ligada à relação professor/aluno, seja em seu teor particular, seja nas situações didáticas coletivamente praticadas.

A manifestação dos alunos, indissociavelmente, baseia-se no desenvolvimento filogenético e ontogenético. Daí a expectativa real de pontuarmos ações distintas em cada turma.

Não podemos esperar que uma atitude manifestada em uma turma no Japão seja a mesma presente na turma em que atuamos, nem mesmo podemos comparar as posturas docentes da Finlândia com nosso cotidiano. A especificidade é tanta que, até na mesma escola, de um ano para o outro, a mesma turma apresentará notória mudança e necessidades de alteração das estratégias docentes em harmonia com as novas mudanças surgidas. O que, em uníssono, é possível afirmar, é o caráter social dos indivíduos e a consequente manifestação de insatisfação quando isso é negado.

A indisciplina e a violência direcionada ao docente poderão ser presenciadas em diferentes contextos. Em relatos de professores diversos em relação à mesma turma, notaremos que um se refere a uma turma indisciplinada e outro poderá apontar uma turma possuidora de energia incrível, bem como uma ótima capacidade de criação.

No choque de realidades, na batalha travada com sistemas de crenças distintos, culturas diversas, em um espaço reservado (com aproximadamente 60 metros quadrados), espera-se que o conhecimento seja exaltado. Logo, o que ocorre? Onde está a autoridade do professor? De que forma a aprendizagem será, de fato, trabalhada em detrimento da violência e da indisciplina?

A receita, com certeza, é distinta em cada disciplina, para cada professor, para cada época, assim como, na gastronomia, os ingredientes são diferentes em cada região. O manjericão daqui é diferente do que existe lá. A goiaba, por influência do índice de chuva, possui um adocicado diverso em diferentes locais. No entanto, existem direcionamentos e apontamentos significativos que podem auxiliar de forma geral a todos no trabalho docente.

Na questão da violência entre os alunos, em especial, do aluno em relação ao docente, nota-se um efeito rebote. Aqueles também são violentados em sua natureza biopsicossocial, por isso podem manifestar o descontentamento na linguagem de violência e indisciplina.

É válido comunicar às famílias que as crianças e jovens devem ir para a escola para “estudar”. São válidos, muitas vezes, os sistemas de reforço behavioristas, que buscam na compensação das atitudes, a mudança necessária. No entanto, a natureza crítica e social do ser humano deve ser considerada.

O ensino significativo será significativo quando, de fato, significar algo. A retórica parece prolixa, mas onde vemos a relevância do currículo? Será, ele, relevante, principalmente o currículo oculto? A prática, registrada por meio do símbolo escrito poderá ser lida, mas, imprescindivelmente, deverá ser praticada.

Quanto mais os educadores e educadoras permearem a aprendizagem com ações relevantes em cada conteúdo, mais autoridade terão. Obterão a autoridade por serem aquele que possui algo especial, aquele que despertará as reais expectativas da novidade que será apresentada. Ali, algo extraordinário ocorrerá… a natureza humana, natureza que aprende, que aprende para sobreviver, estará conectada com aquele que trará o conhecimento… não o conhecimento pronto, mas o conhecimento novo, … a ser descoberto.

Muitas disciplinas escolares parecerão irrelevantes, mas, cada uma possui sua grandeza e motivo de existir. Para cada motivo, para cada relevância, existe uma prática – não aquela que, como uma bula de remédio poderá ser aplicada – que deverá ser descoberta com a experiência docente relativa a cada idade, a cada turma, a cada momento, a cada incidente, a cada improviso. A flexibilidade de pensamento é uma habilidade a ser desenvolvida por nós, professores.

Na matéria de redação, quão importante realizar uma história composta por cada aluno, em sua oralidade, dando a oportunidade de cada aluno mudar a trajetória da história, manifestando os desejos ocultos, as necessidades. A cada frase falada, em cada palavra/ideia transmitida, muitas vezes de forma titubeante, a segurança poderá ser solidificada. Certamente, o registro escrito será válido, mas terá sua importância compreendida após o processo ser real e fazer parte da vida de cada aluno.

Em geografia, ao analisarmos a sociedade, quanto se poderá coletar de dados no momento do intervalo, ou em parceria com outra sala, entrevistando os colegas relativamente ao tema trabalhado? O registro ocorrerá naturalmente, extraordinariamente empolgante.

Na aula de ciências, incríveis experiências se manifestam com simples materiais.

Para trabalhar gramática, cada palavra, em sua devida função gramatical, poderá estar ao lado de outra ou não, manifestando significados diversos em cada posição ou conjugação aplicada, para isso, utilizando o corpo, utilizando cartazes, trabalhando com temas, inclusive, integrados com as outras disciplinas acima citadas.

Por que é tão difícil ver, em uma aula de matemática, o uso de elásticos simulando retas ou pirâmides, retratando ângulos distintos, o uso da arquitetura da escola para ser medida, calculada, representada por meio de algarismos? Quando poderemos ver os alunos marcando seus tempos de corrida na quadra, calculando, por expressões numéricas, o espaço percorrido e o tempo utilizado? Quando teremos o prazer de vê-los registrando a quantidade de pênaltis concluídos com gol, ou perdidos, e ter os dados analisados em uma incrível motivação gerada pela emoção da importância intrínseca do método adotado?

Não há matéria que não possa ser trabalhada em sua criticidade, com a maiêutica socrática proporcionada no despertar das dúvidas. Não há tema que não possa ser registrado em um simples e surpreendente papel pardo que, em sua grandeza de significado dicente, poderá ser apresentado para outras turmas, em um processo que poderá durar 10 minutos, mas que muito se modificará no sistema criativo e motivacional.

A violência praticada na nossa forma de ensinar – embora não pareça – em pouco tempo pode se voltar contra nós, caso não consideremos a natureza social dos indivíduos.

Falar firme, exigir a participação de todos, em algo que, certamente será relevante, não é sinal de autoritarismo.

Em uma aula perceberemos momentos de silêncio produtivo, de total atenção ao que se faz ou ao que se ouve do professor ou do colega, mas também perceberemos momentos de barulho criador, de atenção aprofundada na espontaneidade da oralidade que inova e produz conhecimento e cultura.

Onde pode estar a violência? Na negação do corpo, na indiferença em torno da necessidade de comunicar-se pela palavra, pelo movimento, pelos gestos. Repentinamente, a violência ocorre… na explosão de sentimentos e na necessidade de mover, aprender, interagir. Tanto nas crianças, quanto nos adolescentes. Eis que vemos a violência como processo de mediação das relações.

Werneck (1997) diz que a ênfase biológica e a dicotomia que fragmentam a totalidade humana ampliam as possibilidades de manobras sobre o corpo pelo jogo de poder. Então, mostra-se urgente, pensar esta escola atual, com os alunos sentados e enfileirados, fragmentados na dualidade mente e corpo, imobilizados e privados de realizarem plenamente as interações sociais necessárias ao desenvolvimento individual e coletivo.

Quando a escola nega o ser humano em sua totalidade, subjugando sua linguagem, seus movimentos, sua cultura presente nas manifestações sociais a partir de seu corpo e sua gestualidade, está se deixando de cumprir o que podemos apontar como fundamental: valorizar o ser humano proporcionando suas interações sociais e, consequentemente, a aquisição dos conhecimentos construídos geração após geração.

Pouco vale a escola ter uma sala de cinema, projetor em todas as salas, computador disponível como parte dos materiais, se não considerar o ser humano presente em sua totalidade, possuidor de uma capacidade de abstração, mas que necessita de algo significativo. Isso ocorre quando é trabalhado em toda sua estrutura biopsicossocial.

Perceber o contexto escolar como social e cultural, fornecedor de recursos que darão subsídios para entender as relações e representações estabelecidas, principalmente no que tange à indisciplina e à violência, possibilitará buscarmos novas interações e, até mesmo, novas perspectivas educacionais.

Por isso, notar as manifestações de violência dos jovens no ambiente escolar pode dizer muito sobre as relações assumidas entre eles, com a equipe docente e com toda a comunidade escolar.

Vamos todos pensar duas vezes antes de colocarmos nossos alunos para “aprender” sentados, horas e horas. Afinal, quem disse que para aprender matemática, português, história, geografia e tantas outras disciplinas, devemos ficar sentados escutando alguém falar?

As necessidades humanas são diversas. A indisciplina e a violência poderão ser notadas em contextos diversos, mas ocorrerão, principalmente, na brecha percebida pelo aluno e na capacidade de manifestação de alguma mensagem. Por trás de atitudes discentes sempre há alguma atitude docente… ou deveria haver.

Afinar o olhar, refinar a visão, ampliar a prática. Essas são algumas contribuições para temas tão empolgantes… ou perturbadores… como a indisciplina e a violência na escola!!!

 

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