A sociedade brasileira, desde sua formação e ao longo desses mais de 500 anos, não desenvolveu satisfatoriamente uma cultura democrática e tampouco valores de convivência tolerante e pacífica. Nossa tradição, pelo contrário, é profundamente autoritária e violenta, marcada pela trágica experiência da escravidão e por um amplo processo de exclusão social.
Não à toa, nos encontramos nos dias atuais, entre os países que mais mata mulheres, homossexuais e transexuais no mundo. Destruímos templos religiosos, atacamos museus e exposições de arte, defendemos o retorno da Ditadura Militar e, entre tantas outras manifestações de intolerância, tentamos acabar com a liberdade de ensino dos professores através do Movimento “Escola sem Partido”.
O que vivemos por ora comprova que a História não se desenvolve por uma linha reta e em permanente evolução progressiva. O que hoje conquistamos, amanhã perdemos e se hoje vivemos bons tempos, amanhã eles podem ser sombrios.
Façamos um rápido resgate do movimento histórico que nos impulsionou a conquistas importantes, tomando-se como ponto de partida a reorganização das lutas sociais a partir da metade da década de 1970. A luta contra carestia, pela redemocratização, pela anistia aos presos políticos e as greves por melhores salários, aceleraram o fim da Ditadura Miliar, dando início a um novo tempo cuja consagração pode ser observada na Constituição Cidadã de 1988.
De lá para cá, o Brasil assinou todos os tratados relacionados aos Direitos Humanos e desenvolveu, a partir da década de 1990, um conjunto de documentos, resoluções e diretrizes curriculares para o trabalho no campo da Educação em Direitos Humanos. A inserção da História da África e das Culturas Indígenas e Afro-brasileiras deve ser assinalada como outro passo significativo nesta caminhada.
Na primeira década do século XXI alçaram-se novos voos e novos documentos foram produzidos especificamente voltados para a Educação em Direitos Humanos. Soma-se a isso o fato de que materiais didáticos e paradidáticos passaram a ser confeccionados consoantes às novas orientações educacionais.
Obtidas as conquistas no terreno da legalidade, restar-nos-ia então apenas efetivar o conjunto das resoluções e orientações, entretanto, é justamente aí que residem nossos maiores desafios.
Muitos professores que hoje estão nas escolas não receberam a devida formação em sua graduação, donde se exige a organização de um processo de formação continuada, de conhecimento e trabalho com novos recursos didáticos.
Engana-se que assim estaria garantida a efetivação dos pressupostos em Direitos Humanos, posto que, para além de uma formação continuada, se faz necessária a transformação no modo de pensar do professor, revisando e aperfeiçoando sua visão de mundo. A partir daí é possível que tenhamos um profissional mais capacitado, mas, acima de tudo, ciente e engajado na tarefa transformadora que pode se desatar a partir da Educação em Direitos Humanos nas escolas.
Tristemente, o esforço ainda sem sucesso dos professores tem sido cercado pela ação de pais, e até de alunos, informados e referenciados muitas vezes, e unicamente, pelo discurso difundido pela televisão ou pela exortação ultraconservadora de algumas Igrejas.
O preconceito e a resistência não estão apenas nos alunos em sala de aula e nos pais que se achegam à escola, mas igualmente entre professores e gestores. Desta maneira, o desafio que se apresenta é gigantesco e não sabemos ao certo como enfrentá-lo de maneira eficaz. Mais do que cartilhas e recursos didáticos, precisamos viver os Direitos Humanos como prática social diária, cotidiana, pois, como lembrava Paulo Freire, a liberdade não é algo que se aprende, mas que se vive.
O que temos como certo é que sem uma Educação em Direitos Humanos, dentro e fora das escolas, não civilizaremos nosso povo, descolando-o de um senso comum muito bastante limitado para um patamar mais racional que nos encaminhe a uma sociedade mais pacífica, tolerante e solidária.
por Fábio André Gonçalves das Chagas