A culpa não é da tia do Whatsapp!

Nas eleições presidenciais do último domingo, 30 de outubro, o candidato da coligação Brasil da Esperança, Luiz Inácio da Lula da Silva, saiu vencedor sobre seu adversário, o atual Presidente da República. O amor venceu o ódio e a alegria se sobrepôs à tristeza! Essa é uma narrativa necessária, animadora e poderosa. No entanto, os mesmos resultados, coadjuvados pela horda de eleitores do candidato da extrema direita que, inconformados com a derrota, estão aterrorizando a população de várias partes do território nacional em defesa de um golpe de Estado, nos avisam para não desconsiderarmos a gravidade da situação pela qual estamos passando.

Ao longo da semana, um sem número de analistas de todas as especialidades buscaram entender e explicar o pleito e os acontecimentos que lhe sucederam. A pequena diferença de pouco mais de 2 milhões votos, assim como a manutenção das atividades terroristas sob o beneplácito das autoridades que as deveriam reprimir, têm preocupado sobremaneira aqueles que defendem a reconstrução do Estado Democrático de Direito no Brasil. E não é sem razão.

Ao longo de sua vida parlamentar e, sobretudo nos últimos 4 anos, o atual ocupante do Palácio do Planalto, assim com seus apoiadores, tudo fizeram para destruir a democracia, as políticas públicas e exterminar seus adversários;  levaram à morte centenas de milhares de brasileiros e brasileiras e assumiram explicitamente políticas racistas, homofóbicas, machistas e contra o Estado laico; isolaram o Brasil do resto do mundo e lograram entregar nossas riquezas ao capital internacional e destruíram como nunca o meio ambiente; assumiram posturas  negacionistas e se apoiaram diuturnamente em mentiras (fake news) produzidas e disseminadas em escala industrial. E, ainda assim, tiveram o apoio de quase 50% dos votos válidos!

Ainda que estejamos alegres com a vitória, e temos todas as razões para estar, não podemos subestimar os desafios postos pela adesão de tão grande contingente populacional às teses nazifascistas abraçadas pelo candidato Bolsonaro e parte significativa de seus apoiadores. É evidente que não se trata, mais uma vez, de culpabilizar  a população negra, pobre, periférica e evangélica pelo descalabro miliciano que tomou conta do país nos últimos anos. A culpa, definitivamente, não é da tia do Whatsapp!  Antes disso, seria preciso dissecar as formas pelas quais o capital nacional e internacional tem utilizado para atentar contra os regimes democráticos para fazer valer suas sanhas de lucro e de destruição, ainda que, como sempre, às custas das vidas daqueles e daquelas que lhes dificultam a acumulação.

Não custa lembrar que a gestão e a candidatura do atual Presidente da República sempre teve apoio do grande empresariado nacional e de grupos religiosos vinculados ao empresariado da fé, numa  promíscua, mas não menos rendosa simbiose, entre empresários de variados matizes para enganar e explorar a população mais pobre.

No entanto, como aqui já se disse, esta é apenas parte da explicação. É preciso o aprofundamento analítico transdisciplinar para entendermos as diversas razões e formas pelas quais as vítimas se aproximam de seus algozes e assumem, como seus, os discursos e as ações que ao fim e ao cabo visam ao seu aniquilamento e morte. A mentira, o medo, a crença religiosa, a pobreza, a baixa escolaridade, a busca por reconhecimento, a violência, a identificação com a masculinidade violenta e perversa, o desapreço pela democracia, a busca pela distinção trazidas pelas desigualdades… tudo isso e muito mais tem que fazer parte de nosso arco de interesse e de conversação se queremos reforçar, nos próximos anos e décadas, uma cultura política mais democrática, não violenta e igualitária entre nós.

Há muito o que ser compreendido e feito nos próximos anos. Ganhar a eleição presidencial foi o primeiro e, talvez, o menor dos nossos problemas. Governar para os mais pobres no interior da atual conjuntura, estabelecer relações honestas e minimamente produtivas com o Congresso eleito e, ao mesmo tempo, atacar as causas históricas e estruturais que nos trouxeram até aqui será um trabalho hercúleo a desafiar o conjunto das forças democráticas.


Imagem de destaque: Gazeta do Povo

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