A crise da USP e os paradoxos das universidades brasileiras
Por razões diversas, os mais diferentes sujeitos têm ocupado as mídias dando destaque, nos últimos meses, aos grandes problemas pelos quais passa a Universidade de São Paulo. Os diagnósticos são muitos e, por vezes, contrastantes e as alternativas para a superação dos problemas até aqui apresentadas não gozam de quase nenhum consenso.
A maior e melhor universidade pública brasileira passa por uma profunda crise e isso afeta todo o sistema universitário brasileiro. Isso, não apenas pela grande importância política e acadêmica que a USP tem nos sistemas universitário e de ciência e tecnologia brasileiros, mas também porque ela sintetiza e explicita – também na crise – alguns de nossos maiores paradoxos.
Num momento em que o Estado brasileiro investe de forma substantiva na internacionalização de nossas universidades e no intercâmbio internacional, paradoxalmente a nossa universidade mais importante e de maior visibilidade encontra-se parada. Como dizia uma professora da USP recentemente, é difícil explicar para uma aluna de intercâmbio internacional que ela tem que voltar para seu país sem levar comprovante de frequência às aulas porque não as teve, ou para um professor visitante que ele não pode dar as aulas programadas porque a universidade está em greve. Por mais que haja esforço em dizer o contrário, a imagem que se reforça é que não se pode confiar nas programações de nossas universidades. Assim como ganhamos todos com a positiva visibilidade internacional da USP, perdemos todos quando o contrário acontece.
Do mesmo modo, mas talvez de forma mais estrutural, a crise da USP explicita outro grande problema do sistema público universitário brasileiro: a questão da autonomia. Nos anos 90, reforçada inicialmente pelo dispositivo constitucional que a garantia e, em seguida, pela elaboração da LDB, a autonomia universitária era objeto de acaloradas discussões. Conquistada pelas estaduais paulistas, a regulação da autonomia das universidades federais foi, paulatinamente, perdendo força nos debates dos fóruns acadêmicos brasileiros, inclusive naqueles que reúnem os reitores dessas universidades, a ANDIFES. Sem prejuízo a outra razões, talvez os que os reitores das universidades federais anteviam fosse, justamente, um dos dilemas vividos, hoje, na USP: como administrar uma grande e complexa instituição como a universidade de forma mais profissionalizada e levando em conta o conjunto das forças políticas e acadêmicas que ela sintetiza? Os problemas enfrentados, hoje, pela USP nos fazem ver que a resposta sobre o como e o quanto profissionalizar a administração universitária, de modo a garantir planejamentos a médio e longo prazos, diminuir o risco de aventuras financeiras e sem competir negativamente com a democracia universitária parece estar ainda distante de nós.
Finalmente, a USP, como sabemos, sintetiza a ideia de excelência acadêmica e compromisso social. Mesmo que internamente, em uma instituição de grandes dimensões como a Universidade de São Paulo, seja tensa a conjugação da pesquisa de ponta com a oferta dos mais diversos serviços à população – de maneira direta, por meio de serviços prestados à população, e por meio da articulação com as políticas públicas e com a iniciativa privada –, a USP espelha o horizonte vislumbrado por boa parte de nossas universidades. Em tempos em que as políticas públicas para o setor e as ações das instituições universitárias parecem mirar mais nos rankings internacionais do que nos grandes problemas enfrentados pela sociedade que as sustentam, esperamos que a comunidade uspiana encontre, com serenidade e sabedoria, alternativas para resolver os desafios atuais fazendo avançar a excelência acadêmica e os compromissos da instituição com o desenvolvimento social e econômico paulista e brasileiro. Nas soluções encontradas para a saída da “crise da USP”, podem estar, também, os horizontes do conjunto do sistema universitário brasileiro. Por isso também todos os olhos se voltam para lá!