A crise da escola

A chamada crise da educação está na ordem do dia. Diversos coletivos e profissionais vêm à público todos os dias para nos dizer em alto e bom tom que está tudo, ou quase tudo, errado com a formação das novas gerações. No entanto, em boa parte desses enunciados, o que está em causa não é a educação, mas a escola, uma forma muito particular, e recente, de educar. A educação, malgrado os vaticínios, sempre aconteceu e acontece, aquém, junto ou além da escola.

O problema dos diagnósticos sobre a escola, e não da educação, é que muitas pessoas que se dedicam ao tema teimam em achar que a crise da escola é recente. Na verdade, em boa parte, a escola sempre foi vista como estando permanentemente em crise, e, incapaz de ser contemporânea do seu tempo, sempre esteve em reforma.

A escola é irmã, ou prima-irmã, do capitalismo, das complexas sociedades contemporâneas, da noção moderna de indivíduo  e dos estados nacionais, isso para dizer de apenas alguns de seus parentes próximos. A instituição seria uma aposta para preparar o sujeito para o mundo em que ele viveria. Ocorre que, sob o capitalismo, “tudo que é sólido desmancha no ar”; nas sociedades contemporâneas, nada é fixo tudo é fluxo; o indivíduo há muito, ou pelo menos desde Freud, deixou de ser uno; os estados nacionais podem pouco em tempos de globalização concentradora de capitais e de poder.

Aposta no esclarecimento e na disciplina como estratégias fundamentais de inserção das novas gerações no mundo dos adultos e como evitamento de novas revoluções pelo mundo, a escola subsistiu como projeto (projectum) de uma inserção ordeira dos mais pobres num mundo que continuamente os expele por todos os poros. E assim ela se espalhou pelo mundo.

A crise da escola nada mais é do que a crise dos projetos societários e das referências fundamentais que deram sustentação à utopia escolarizadora ao longo do tempo. A sua disfuncionalidade é a falta de funcionalidade do mundo capitalista que destrói tudo e a todos. E não é por acaso que são justamente os que produzem o caos os que mais querem reformar a escola para que elas fiquem mais funcionais! E é disso que a gente deveria falar quando falamos em reforma da escola.

Quando os mais escolarizados escolhem a barbárie – e isso em boa parte do mundo – a gente poderia pensar que o projeto de esclarecimento na e pela escola falhou, ou no mínimo é insuficiente para a formação das novas gerações para a democracia e a convivência societária pacífica. Mas, seria possível ser democrático e pacífico no interior de uma sociedade que concentra mais e mais o poder e que faz da guerra e da morte um grande negócio?

Sendo a crise um estado permanente da escola, talvez a gente devesse aproveitar o momento atual, de reconstrução nacional, para voltar à origem da coisa. Tendo o projeto de esclarecimento por meio da escola fracassado – e é sempre bom lembrar  aos fissurados por testes e que tais, que países com ótimas notas do PISA também escolhem fascistas para os governar! –, talvez a gente devesse pensar não apenas na insuficiência da escola, mas também no caráter enviesado de sua proposta de formação.

O esclarecimento, suas  linguagens científicas e formas de representação, projetadas para acolher e dirigir o indivíduo-sujeito uno e consciente para o  melhor dos mundos é uma quase falácia sustentada contra as infâncias do mundo. A estas, na escola, sobretudo em países periféricos e desiguais como o Brasil, são negadas, as linguagens e representações que daria conta de dizer das relações humanas e de si como sujeito partidos, fraturados, desejantes, muito pouco racionais e em busca de reconhecimento.

Uma forma contemporânea e verdadeira de enfrentar, por dentro, da crise da escola seria imediatamente, devolver a todas as crianças e jovens, na escola e por meio da escola, as linguagens que lhes permitiriam representar a dor e a delícia de serem o que são, e de projetarem se querem ou não salvar o mundo humano e não humano em que habitam e que está em perigo. Uma escola com ciência mas sem artes, é já, e fundamentalmente, parte da crise e não a sua solução. Dos mundos, inclusive escolares, em que as artes são banidas campeiam, não por acaso, os fanatismos, as violências  e as esperanças. Então, nunca é demais cobrar: mais artes, arteiros e artistas nas escolas, por favor!


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