Professora, eu te amo – vínculos para um sempre agora

Ivane Laurete Perotti

Não só de pedras traçam-se os caminhos. Nem só de próclises constroem-se relações. Declarados vínculos de afeto e cuidado atravessam os portões da escola pública. Sob o vil olhar da precarização, da ignóbil violência, da manipulada desconfiança na atuação do profissional da educação, a escola pública impera.

A calçada, pista de corrida. Largada: aponto na esquina. Muro verde do esperançar ativo. Insurgente. Crianças oferecendo abraços. Estudantes estendendo em taça o que têm de melhor: afeto e fomes. Ambas. Equilibradas pela balança da vida. Fome de crescimento. Conhecimentos. Informação. Fome de protagonismo. Liberdade. Construção. Fomes. Muitas fomes aglomeram-se no portão da escola pública.

_ Não confie em estudantes. São bombas-relógio.

_ Não confie em professores. Cansam!

_ É diferente!

_ Diferenças…tudo o que temos.

A rotina da escola pública envolve espaços não negociáveis. Luta-se com o que se tem. Ou, enterra-se a cabeça no chão onde não vingam brotos.

_ Envolvimento com estudantes não é profissionalismo.

_ O distanciamento é?

_ Não se faz necessário criar vínculos. O professor é um profissional.

_ Igual a tantos outros que escolhem não sentir?

_ Ensinar o conteúdo basta!

_ Estar presente conta!

“Dom Quixote…moinhos de vento…escolha um lado!”. Dramáticos e românticos estendem a lona. Picadeiro na retina. Vide bula. Estamos no mesmo barco. Balsa. A escola pública depende de asas e flores. Asas, para assentar-se na cumeeira das possibilidades. Flores, para respirar a estética dos aprendizados. Possíveis, todas elas, desde que o investimento social e político não sirva a tramoias. Cadê o dinheiro da educação?

_ Flores para você, profe!

_ Obrigada!

_ Colhi no caminho!

_ São lindas…

_ “Dedos de sonho”. Pode fazer um desejo!

_ Quero que você cresça livre, forte, e possa escolher a sua história.

_ Tudo isso?

_ Por que não?

Desejar aos estudantes que empreendam viagens dentro e fora da escola mobiliza estratégias de navegação. As portas do oceano vêm em esquadrias de maré alta. Basta observar a lua. Satélite feminino: grávida de motivações. Vale escrever na praia, Vieira descobriu o ritmo. Vale abrir cadernos, cadernetas, folhas de desenhar. Pode formatar o “site” em garrafas algorítmicas e soltá-las à rede das pesquisas. O Mar Morto não bate aqui. Bateram projetos de desmantelamento. Físico. Psíquico. Mambembes das governanças dançaram à corte.

2023 traz luzes! Podemos fazer da escola uma grande proposta. Social. Científica. Descritiva. Relatorial.

_ Prófs… sonhar é perda de tempo?

_ Para quem?

_ …para o sonhador!

_ E …se sonhar rendesse juros?

_ Construiriam bancos.

_ Eu não quero guardar os meus.

_ Então…  podemos sonhar com os pés plantados em canteiros de construção.

_ Seríamos … ?!

_ …

_ Então, somos!

Mas, aos espaços escolares, também não falha a realidade. Cáustica. Dura. Fria. Dúbia.

_ Não estou dormindo direito…

_Você acordou de um longo sono! Deve ser por isso!

_ Profis… não gosto de ler…

_ Não quero aprender isso daí… não cai no ENEM!

_ Profis, não gosto de estudar… é chato!

_ Chato é o pai do carrapato…

_ Escola faz bem nos feriados.

_ Finados!

_ Minha família é uma pedra.

_ A minha, um furacão.

Espaços inegociáveis! A escola é uma aba cristalina no metaverso das conjugações. Conflitos entranham-se em carteiras desalmadas. Leituras furam o poço. Desânimos acometem o árbitro.

_ Não gosto de seus textos. Têm excesso de subentendidos. Me cansam!

_ Peço desculpas. Eles têm vida própria!

_ Qual é! Escreve direto. Diz e ponto final!

_ …

Dizer da escola não é um jogo. Ela diz de si. Estudantes falam alto. Profissionais da educação se movimentam. Não ouve quem não vê. Não vê quem não conhece a história da educação no Brasil.

_ Espaços e processos têm fronteiras.

Algumas feitas à mão. Outras, subjetivas, listam as ignorâncias que amoitam ruas. Nada de conhecimento. Nem de longe a reflexão. Lição interna. Propagação. Manchete de jornal. Triste. Fatos e atos da escola representam o miolo da sociedade. Familiar. Coletiva. Mundial.

_ Menos, colega. A escola não tem esse poder todo.

_ Não?

_ Você está pensando em Aracruz?

_ É um exemplo… apenas um.

_ A escola está falindo por desgaste.

_ Planejaram esse movimento.

_ Quero condições para trabalhar.

_ Precisamos nos fazer ouvir.

_ Não adianta…

_ Estamos em pé!

_ Por quanto tempo?

_ O coletivo tem força.

_ Que coletivo?

_ O nosso…somos alicerce.

_ Vai dizer isso para a …

O intervalo tem poder de sino. Sineta. Alarme. A cada um a sua parcela de responsabilidade e história. Ou o naco que desliza para debaixo da mesa, bem longe do prato posto. Essa última é uma narrativa que não me compete.

_ Prófs… quero escrever uma história.

_ Excelente! Qual o tema?

_ Quero contar sobre o amor tão pra sempre que tenho por você!

_ Essa história já nasceu linda!

Sem vínculo, a pedagogia morre seca. Sem afeto, a didática nasce fria. Sem cuidado, nenhum estudante cresce. Sem rega, os sonhos não se materializam. Sem coletividade, a escola pena sozinha.

_ Profis…eu te amo.

_ E eu, lhe tenho um amor ainda maior.


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