Professor/a – palavra, presença, potência.
Tarcísio Mauro Vago
Desejo nesta minha estreia na coluna Pensar o Brasil explorar a palavra professor/a. Do latim ‘professus’, significando “aquele que declarou em público”, vindo do verbo ‘profitare’, que em português é professar, isto é: “declarar publicamente ou afirmar perante todos”.
Essa bela pista me inspira pensamentos sobre a condição de Professor/a: se professar é afirmar e declarar perante todos, podemos vislumbrar já na origem da palavra uma dimensão política da presença de professores/as na vida pública deste tempo que em sua complexidade social entrelaça passado-presente-futuro: assumir a responsabilidade de argumentar publicamente para formar pessoas para que participem da vida em comum. Tantas decisivas questões envolvidas, incontornáveis e permanentes, afloram daí: o que professam professores/as? O que desejam declarar em público? Como querem participar da formação de outras pessoas? Que os/as anima? Que os/as constrange? Desafios postos ao exercício deste ofício atravessado por disputas e conflitos produzidos e explícitos nas práticas sociais – que uma sociedade que se quer democrática, por sua própria natureza política, não pode esconder, nem evitar, mas necessariamente assumir e enfrentar, em sua permanente invenção.
Perguntas que levam meu pensamento a outra pista e foi Hannah Arendt quem a indicou, quando discutiu A crise na Educação (1957). Ao considerar a natalidade como a principal questão para a educação, ela então estabelece um belo horizonte para a atuação de adultos, ainda mais adultos professores/as: “O papel desempenhado pela educação em todas as utopias políticas, desde a Antiguidade até nossos dias, mostra bem como pode parecer natural querer começar um mundo novo com aqueles que são nossos por nascimento e por natureza.” Começar e recomeçar sempre “um mundo novo” em cada nascimento, em cada geração: introduzir aqueles/as que nascem para este mundo que já existia antes de suas chegadas, em suas histórias diversas de belezas e feiuras; apresentar-lhes esse mundo, fazê-los/as entrar no mundo e participar dele; ensinar-lhes o que o mundo é, ensinar-lhes a se orientar neste mundo enquanto estiverem nele presentes – porque isso é também cuidar da continuidade do mundo comum. Não é da artesania de ser professor/a que Arendt está falando?
Invade-me agora a poesia que Eduardo Galeano escreveu em seu Livro dos Abraços. Encanta-me a delicadeza da que ele chamou “A função da arte”, quando conta de um pai que levou seu filho para ver a imensidão do mar, dele ainda desconhecida. Quando viu o mar, atordoada, a criança fez a seu pai um pedido: “ – Me ajude a olhar”. Uma beleza…
Daí vou me lembrando também do que disse Helmut Becker a Theodor Adorno, refletindo sobre Educação e Emancipação (1966), lá na Alemanha, ainda com as dores da guerra, enfrentando a barbárie para que “Auschwitz não se repita”: “Afirma-se que não tem sentido uma escola sem professores, mas que, por sua vez, o professor precisa ter clareza quanto a que sua tarefa principal é se tornar supérfluo.” Na primeira vez que a li, fiquei espantado com essa frase. Como assim, supérfluo? Sim, se tornar supérfluo… quando exerce seu ofício declarando publicamente o que sabe, partilhando o que pensa, oferecendo seu conhecimento no propósito de expandir em quem está diante de si – estudantes – as suas condições de autonomia e de emancipação para pensar, agir e se orientar no mundo em comum. Um professor se torna supérfluo sendo imprescindível. Será que entendi?
Por esses caminhos de pensar, de repente sigo para o sertão e lá encontro Riobaldo Tatarana contando que ouviu de seu Mestre Lucas, quem lhe ensinou a ler e a escrever, que ele próprio poderia ‘professar’: “Mas o mais certo de tudo é que um professor de mão-cheia você dava”. E foi então que o colocou mesmo para “ajudar no corrido da instrução”, explicando “aos meninos menores as letras e a tabuada.” Depois, o enviou para também ensinar em segredo ao adulto Zé Bebelo – que queria “botar na cabeça, duma vez, o que os livros dão e não”, para ser deputado, poder “abolir o jaguncismo”, fazendo mais, “estreando mil escolas” no sertão.
E não é que me vem deste matuto-que-também-foi-professor nas Veredas do Grande Sertão uma insinuação das boas para enriquecer esses pensamentos sobre ser professor/a que se declara publicamente diante de todos?! Pois ele relatou: “Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer as outras maiores perguntas”.
Professor/a: a palavra, a presença – potência para o imprescindível e o imperecível das “maiores perguntas” que ajudam a olhar, que apresentam e alargam o mundo – o comum e o de cada um. Porque o mundo é continuação, porque o mundo é (re)começo, porque o mundo é invenção.
Professar em público no exercício permanente de se tornar supérfluo é preciso – mesmo que, à maneira de Pessoa, não seja preciso…
Amigo Tatá, de tantas e muitas jornadas! Que texto lindo, amado professor! Que viagem! Entre uma e outra (viagem no seu texto), me veio – de chofre, numa só tacada – outro amigo da educação brasileira chamado Luís Inácio Lula da Silva. Sem dúvida, ele parece presente na prosa de Guimarães Rosa, quando afirma
“que queria “botar na cabeça, duma vez, o que os livros dão e não”, para ser deputado, poder “abolir o jaguncismo”, fazendo mais, “estreando mil escolas” no sertão”.
Que belezura de narrativa foda, a sua!
Joaquim, Querido!
Saudade de você!
Sua leitura generosa me fez muito feliz!
Viva a Educação e Viva todos/as que defendem a Educação Pública!
Abraço fraterno!