Um cartaz censurado: o fascismo presente na educação

Cleiton Donizete Corrêa Tereza

Há quatro anos, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, escrevi um texto sobre o crescente fascismo brasileiro. Hoje, diante do desrespeito e dos ataques envolvendo um trabalho realizado em conjunto com meus alunos da E. M. Vitalina Rossi, de Poços de Caldas, retomei a leitura desse texto. Percebo que minha análise, a partir de estudos sobre a história contemporânea, com a contribuição de diferentes autores, foi acertada. Antes de explicar o trabalho pedagógico realizado e as discussões geradas a partir dele, reproduzo alguns breves trechos do texto:

“Dentre as principais características do fascismo estão: culto ao líder, nacionalismo exacerbado, mobilização das massas, anticomunismo, uniformização, forte uso de símbolos e saudações, aversão aos intelectuais, intolerância, servidão voluntária, militarização, além, é claro, da manipulação pelo medo e pelas emoções (…) Esta é a grande manobra do fascismo, tentar transformar fraqueza e frustrações em força e virtude. Fazer das decepções da vida, ampliadas pelas desigualdades, pólvora para extravasar de maneira agressiva sofrimentos e inseguranças. O fascismo não é um mero conjunto de pautas extremistas, o fascismo desses dias se constitui a partir da miséria da vida cotidiana burocratizada, superficial e fragmentada e, alterar essa condição, é nosso fundamental e imenso desafio.”

Dito isso, vamos ao trabalho pedagógico realizado e ao cartaz censurado. Desenvolvi um projeto sobre as eleições de 2022 com os estudantes do ensino fundamental II, em decorrência da Semana de Educação para a Vida (Lei 11.988/2009). Isso envolveu um planejamento, aprovado pela supervisão, que contou com a exibição de vídeo sobre a tripartição de poderes, apresentação de todos os candidatos ao governo do estado de Minas Gerais e ao governo federal, leitura de texto sobre a democracia e as urnas eletrônicas, e, por fim, produção de cartazes em grupos.

Dias após a finalização dos cartazes, espalhei essas produções pela escola. Um deles, com um conteúdo crítico, trazendo a bandeira nacional manchada de tinta, como se fosse sangue, e com os dizeres “vote pelos mais de 600 mil mortos”; “vote pois o nosso verde da bandeira está virando cinzas”; “o nosso ordem e progresso está virando desordem e progresso”, foi colocado na sala dos professores. Afinal, pensei que seria o local em que a mensagem poderia ser melhor interpretada, gerando uma necessária reflexão. Estava enganado. Embora não houvesse menção a qualquer candidato ou partido, regra que levei a sério com os adolescentes durante o processo educativo, infelizmente, uma parte da equipe de professores, com um comportamento reativo, sentiu-se incomodada com o cartaz, ao ponto de dizerem que procuraria a Secretaria Municipal de Educação.

Os argumentos foram os mais insustentáveis, sem embasamento pedagógico ou legal, apelando para os costumes, mas os ânimos ficaram exaltados. Diante disso, uma profissional da secretaria da escola, sem qualquer autorização da direção da unidade – que não se opôs ao cartaz – retirou o material da sala dos professores. Um ato agressivo que gerou discussões.

Após esses acontecimentos, conversei com os estudantes dos 8° e 9° anos e recolocamos o cartaz, sob aplausos, na parede da entrada da sala dos professores, com a tarja de censurado. Isso porque, a SME recomendou à direção que o cartaz não fosse exposto na sala dos professores ou em outros locais da escola, embora tenham alegado, em um primeiro momento, de acordo com a direção da escola, não identificarem problemas na comunicação. Contudo, depois que fiz uma publicação em minhas redes sociais sobre os acontecimentos, a SME enviou um documento para a unidade escolar, assinado pela própria Secretária Maria Helena Braga, citando o art. 37 da Lei federal 9.504/1997: “ressalto que é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição de tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados nos prédios públicos”. Porém, o cartaz não fazia propaganda alguma. Dá para entender?

No momento em que escrevo esse texto, está para começar uma reunião da Câmara Legislativa do município, na qual o vereador bolsonarista Claudiney Marques, que costuma se mostrar preocupado com o que chamam de “doutrinação ideológica”, deve apresentar um requerimento com pedido de informações sobre o ocorrido na escola. Na verdade, o documento, em tom de intimidação, busca o silenciamento de práticas reflexivas nas escolas. Em uma das perguntas, direcionadas à SME, o vereador interroga: “Entende essa secretaria ter havido um ato de insubordinação à recomendação de um órgão superior? Se sim, entende essa Secretaria a abertura de uma sindicância para apurar os fatos?”

Tenho convicção da seriedade do trabalho realizado. O cartaz não contraria qualquer norma. Pelo contrário, atende às determinações legais de uma educação voltada para a formação cidadã, como afirmam diversos documentos, entre eles a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Estamos, nesse caso, diante de uma censura à reflexão e ao processo educativo de um professor junto aos seus alunos. Contudo, o que mais lamento, é a atitude de educadores que, podendo fazer tanto pela educação emancipadora e pela comunidade, terminam por abraçar posturas retrógradas. E fazem isso porque, diante das condições objetivas de nossa realidade capitalista, compartilham e/ou reproduzem o ideário e ações fascistas. Esse comportamento está presente em uma fração significativa da classe média, da qual fazem parte, mais interessada em manter e ampliar seus privilégios, sendo incapaz de reconhecê-los devidamente, do que assumir um compromisso social profundo e engajado com a democracia com vistas à promoção de uma sociedade mais justa. E, para caminharmos nesse sentido libertário, precisamos de mais educação sim, mas necessitamos de uma educação que seja profundamente reflexiva, plural e antifascista, isto é, crítica, com práticas diversificadas e alinhadas ao combate a qualquer tipo de opressão.

 

Para saber mais
TEREZA, Cleiton Donizete Corrêa. Brasil acima de tudo, Deus acima de tudo! – o novo fascismo brasileiro. Disponível em: < https://pocoscom.com/brasil-acima-de-tudo-deus-acima-de-todos-o-novo-fascismo-brasileiro/>. Acesso em 11 de out. de 2022.

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