Papel? Pra quê?
Jacqueline Caixeta
A educação infantil é pautada em movimento! A criança, na sua primeira infância, precisa de espaço e tempo para desenvolver todas as suas potencialidades. É corpo livre e solto a se descobrir no mundo.
É de movimento e muito barulho que a primeira infância é construída.
A psicomotricidade é desenvolvida através de brincadeiras livres e coordenadas. Todas as noções espaciais tomam uma dimensão absurda nesta fase da vida. Para que a criança se conheça, conheça seu corpo e comece a ocupar seu lugar no espaço, ela precisa experimentar a vida. E só se experimenta a vida vivendo! É urgente que se ofereça possibilidades para que ela viva intensamente a urgência de seu corpo em movimento.
Muitos conceitos matemáticos são construídos e consolidados através de brincadeiras. A matemática faz parte importante da vivência motora, está interligada ao movimento e o uso do corpo infantil quando este se joga em situações que vão de encontro com as noções espaciais e motoras. Sempre que uma criança desafia o tempo e o espaço, ela está exercitando a matemática, usando e abusando de seu raciocínio lógico que começa a se desenvolver. E o que a escola faz? Inventa atividades que estão a anos luz de vivências e insiste em levar para o papel uma ridícula série de exercícios tradicionais.
A ciência e toda a geografia, antes de irem para as páginas de um livro, são experienciadas com situações rotineiras em que, ao brincar, os conceitos vão sendo construídos de maneira autônoma e livre.
O desenvolvimento da linguagem é a inserção da criança ao mundo letrado. Para pretender que tenhamos bons leitores e escritores, precisamos que nossas crianças escutem histórias, imaginem histórias, dramatizem histórias. Enfim, a linguagem precisa ser muito bem desenvolvida oralmente antes de qualquer pretensão de se levar para o papel o formato das letras e sons.
O ato de criar, imaginar, se colocar em situações fantasiosas, bem coordenado por educadores que têm a plena ciência da importância de tais ações, permite que a criança tenha sucesso em seu processo de alfabetização.
E quando mesmo começa o processo de alfabetização de uma criança? Quando ela abre seus olhos e começa a ler o mundo! Toda e qualquer experiência corporal e de linguagem já é a alfabetização acontecendo.
A infância é terra fofa e fértil, sabendo jogar a semente e cuidar bem do jardim, tudo floresce. Talvez seja por isso o termo antigo “Jardim de Infância”. O cérebro infantil é como uma esponja, absorve tudo, é terra fofa e fértil, só precisa encontrar pessoas que saibam lidar com a “arte da jardinagem na infância”.
E que arte é essa? Como se faz?
É a arte de saber conduzir todos os processos de construção do saber usando, única e exclusivamente, a criança e o mundo como elementos principais necessários à aprendizagem. E o mundo não pode se limitar a uma folha de papel.
Quando presencio escolas entregando “atividades” em folha de papel para as crianças fazerem coisas que elas fariam mil vezes melhor sem o papel, me entristeço.
Não vejo a menor necessidade em trabalhar coordenação motora fina usando atividades que vão prender a criança em um papel. O mundo oferece tantas possibilidades de se desenvolver a coordenação, sem ser preciso ter uma folha ou caderno para isso. Quando dou um papel para uma criança, estou dizendo a ela que sua criatividade tem que ter tamanho e formato.
Pra que levar para o papel o que posso fazer brincando? Por que as escolas ainda insistem em fazer albinhos ou portifólios, seja lá qual nome querem dar, ao invés de permitirem que a criança construa seu conhecimento de maneira interativa com os objetos de estudo? Esses registros servem apenas para cumprir uma exigência social de pais que nada entendem de educação e desenvolvimento infantil. Já ouvi de muitos educadores que trabalham com registros em papel porque os pais cobram da escola atividades. Situação fácil de resolver, basta a escola se mostrar mais autônoma e competente e explicar para os pais o que é o desenvolvimento de competências e habilidades na primeira infância e a importância do lúdico.
Criança é movimento, repito. Nada de ficar com uma turma dentro de uma sala querendo que façam atividades, isso é perda de tempo, ou melhor, isso é matar o tempo de produção e criatividade de uma criança, é podar todo o potencial que poderia ser desenvolvido de maneira lúdica.
A ludicidade precisar estar presente na construção do aprendizado na primeira infância.
O registro é muito importante, não para a criança, mas para o adulto. Um bom professor de educação infantil deve registrar todas as conquistas de seus alunos. É preciso ter anotações que possam direcionar o trabalho e possibilitar constantes avaliações dos progressos dos pequenos. Uma prática afastada de registros não permite uma análise do aprendizado. Para saber se meu aluno está avançando ou não em habilidades que estou desenvolvendo, é preciso ter os registros de seus progressos e limitações para avaliar se minha prática está sendo bem sucedida.
Na educação infantil, vale papel, mas apenas para o registro do educador. A criança precisa ter o mundo como seu espaço de construção de saber e contar com professores competentes que saibam lidar com a brincadeira com intenção pedagógica e de formação de tantas competências importantes para a infância.
O uso do papel na educação infantil cumpre apenas uma exigência social de pessoas que não entendem de educação e tampouco de crianças.
Com afeto,
Jacqueline Caixeta
Texto para refletir sobre nossos pequenos e seus verdadeiros aprendizados!
Excelente!!!! Muitas pessoas não têm ideia da importância da educação infantil! E sua essência está muito bem descrita neste texto! Parabéns, Jacqueline Caixeta!
Excelente. E tudo que eu acredito. Eu sempre falo que o mal da educação é o excesso de papel.
Boa noite, Jacqueline! Como sempre, os seus comentários são extremamente pertinentes. Crianças no computador e diante de uma folha de papel, com constância na escola, para minha pessoa, é atraso de vida. Como éramos felizes correndo, pulando, fazendo brincadeiras que estimulavam, de alguma maneira, o nosso raciocínio. Escola deve proporcionar aquilo que a criança não tem, ou pouco tem em casa. Mais uma vez, você brilhou. Parabéns!!!
Excelentes as publicações de Jaqueline!
Elas deveriam ser publicadas em rede nacional,
O assunto que faz uma crítica relacionada a dengue é fantástico. Quanto a educação infantil,está perfeito e precisa também ser mais divulgado.