Baú chamado memórias: caminhos diversos

Paulo Antunes Maciel1

Há algum tempo venho refletindo sobre os caminhos percorridos: reflexões que remetem às lembranças de um passado rico, mas marcado pela pobreza no aspecto educacional e pelas dificuldades de acesso e permanência no ambiente escolar. Por vários motivos estive afastado da sala de aula dos meus 10 aos 19 anos, foi um período em que meus irmãos mais velhos e eu não conseguimos viver a realidade da escolarização na idade certa. O trabalho fazia parte da rotina de quase todos na minha família, pois era preciso ajudar no sustento da casa. 

Nasci no dia primeiro de dezembro de 1979. Éramos uma família oriunda do extremo interior do estado do Paraná, no município de Guaraniaçu, em uma comunidade chamada Rio Medeiros. Sabemos da importância da Educação Infantil na vida da criança, pois nela acontecem os primeiros passos da escolarização. Não passei por essa fase, mas me lembro dos momentos que antecederam o início da minha vida escolar: foram momentos bons, nos quais havia brincadeiras espontâneas e muita imaginação…

Em 1986, aos meus sete anos, fui matriculado em uma escola na mesma comunidade onde meus irmãos mais velhos já estudavam, chamada “Pitágoras”. Nessa escola tinha apenas duas funcionárias públicas, a professora Rosalina Padilha, que lecionava da primeira à oitava série, e a merendeira Sra. Odila Belo de Medeiros; duas pessoas inesquecíveis pelo carinho com que nos recebiam diariamente, e que conseguiam ser atentas e carinhosas com todos. 

Os primeiros anos da minha vida escolar duraram pouco. Quando concluí a terceira série minha mãe me tirou da escola devido à falta de quem nos acompanhasse até ela e as dificuldades financeiras que a família passava. Foram tempos difíceis, mas herdamos dos nossos pais o desejo de seguir em frente. Minha mãe quase sempre estava ausente, pois tinha que sair para trabalhar a fim de complementar a renda e garantir o sustento dos filhos. Mamãe, aos seus 35 anos, viúva pela segunda vez, e com 9 filhos para criar: o mais velho com 18 anos, um irmão com necessidades especiais e que mais tarde começou a frequentar a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). 

O tempo passou e conseguimos finalizar a terceira série do ensino primário na idade apropriada. No final dos anos 1990, já com 19 anos, voltei a estudar motivado por amigos. Frequentei o Ensino Supletivo, mas novamente não consegui finalizar os estudos por motivos financeiros e pela distância que não permitia, pois nem sempre o transporte público era disponibilizado. Em 2007, já casado, família constituída, nos mudamos do interior do Paraná para Camboriú, em Santa Catarina. Com acesso às escolas mais próximas, e ao programa Mais Educação, me matriculei no Supletivo, finalizando o ensino fundamental. Após isso, ingressei no Ensino Médio, também pelo Supletivo, finalizando a Educação Básica com muita luta, pois tinha que trabalhar durante o dia e estudar à noite. Em 2011, conheci o Instituto Federal Catarinense – Campus Camboriú e me inscrevi em um processo seletivo. Fui selecionado para o curso subsequente ao Ensino Médio, de Técnico em Segurança do Trabalho, o qual cursei durante dois anos e que me possibilitou uma melhor remuneração salarial. 

A sede de conhecimento só aumentava. No final do ano de 2014 fiz o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e me inscrevi em um curso de Técnico em Enfermagem, para o qual fui chamado no início de 2015. Como eu morava em Camboriú, tive que mudar para Rio do Sul a fim de frequentar este curso. Logo após 3 meses tive que parar novamente os estudos por motivos particulares e familiares. Nesse movimento, fiz o ENEM tentando a área que eu sempre almejava: ingressar no Ensino Superior em uma licenciatura em Pedagogia. 

Em 2018, novamente morando em Camboriú, ingressei no curso Técnico de Magistério no Colégio Professor José Arantes em Camboriú, no qual concluí os 2 anos de Magistério. Em 2019, através do ENEM, fui selecionado em segunda chamada para ingressar na Licenciatura em Pedagogia no Instituto Federal Catarinense – Campus Camboriú. Espero realizar a tão sonhada graduação e contribuir para a construção de uma educação laica, gratuita e de qualidade. Até o momento sou o único entre os irmãos a cursar o Ensino Superior, esse é um dos fatos marcantes na minha trajetória. 

O acesso às informações, à educação, me possibilitou um melhor entendimento sobre o que se passa no mundo. Olho para o passado, almejando um futuro melhor, como um profissional da educação. Abro o baú e os guardados estão lá; no entanto não os interpreto do mesmo modo, pois o acesso à educação está forjando em mim uma nova pessoa, que respeita seu passado, mas que sonha contribuir para um mundo melhor por meio da profissão de professor.

 

1 – Estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto Federal Catarinense

 

Texto escrito inicialmente como atividade avaliativa da disciplina História da Educação, do curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto Federal Catarinense – campus Camboriú, ministrada pela Profa. Dra. Marilândes Mól Ribeiro de Melo. 


Imagem de destaque: Pixabay

 

 

 

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