Ainda há flores
Jacqueline Caixeta
Educação é coisa muito estranha. Um dia, a gente tá brigando horrores para que pais e alunos respeitem mais seus professores, para que o governo invista mais e valorize o profissional de educação dando-lhe mais qualidade de vida e dignidade para exercer o magistério, lutando bravamente em um campo minado em busca de transformação e acha que tá tudo perdido, que não haverá mais saída e aí, quando do nada, você recebe, antes das sete horas da manhã, em plena segunda-feira, uma flor, ah… desperta em você a vontade de escrever o quanto educar é bom, dói, mas é muito bom!
Dói saber que muitos ainda não nos respeitam e ainda há muita luta pela frente, no entanto, contudo, todavia, ainda há aqueles que te valorizam, exaltam, se apaixonam com você pelo ato de educar, querem, como você, transformar o mundo! E aí, você começa a acreditar que ainda há flores.
Dói quando pais duvidam do seu trabalho, questionam sem fundamentação teórica nenhuma, não enxergam a intenção transformadora que há na educação de seus filhos e querem apenas um produto final travestido de excelentes notas, no entanto, contudo, todavia, há aqueles que te aplaudem, te admiram, te citam como bons exemplos. E aí, você descobre que ainda há flores.
Dói, quando pessoas que nunca pisaram em uma sala de aula, querem escrever leis, querem legislar sobre o que não conhecem e, num mundo de “Alice no país das Maravilhas”, fazem leis que não se encaixam na realidade de uma sala de aula, no entanto, contudo, todavia, ainda há os que acreditam na força de um professor e buscam escutas respeitosas sobre a função para melhorar o dia a dia de quem está entre o quadro e os alunos. Ai, você descobre que ainda há flores.
Educar não pode só doer. Seria muito injusto com nós que estamos nos palcos das salas de aula ter somente dores para se lamentar. Educar tem que ser um ato de dor e amor. A dor é necessária, pois ela é incômoda, e só no incômodo da dor é que podemos florescer para a busca incansável do amor em educar.
Educar também não pode ser só poesia e flores, há os espinhos, que nos espetam, nos dizendo que não é nada bom se acomodar com o perfume das flores, que é importante e necessário sair do casulo confortável e buscar o voo inesperado e cheio de ameaças da borboleta. Ah, educar é se rasgar por inteiro, se fazer, desfazer e refazer, a cada dia, a cada ato.
Educar tem que ser assim, como um simples ato de se apaixonar pela delicadeza da flor, mesmo sabendo que os espinhos nos surpreenderão e irão machucar bastante, no entanto, contudo, todavia, é ter a certeza de que ainda há flores.
Nos bastidores do final de ano em cada escola, cada um carrega a dor dos espinhos e, como num ato de comunhão, vamos partilhando o que resta de nossas flores, as pétalas que ainda não se soltaram, para deixar um pouco de perfume nessa loucura de finalizar um ano letivo.
Ainda há flores e sempre haverá mãos que as levem até outras mãos que, surpreendentemente, irão recebê-las porque a educação é isso, nada mais do que isso: saber que, mesmo com espinhos, sempre haverá flores. Que os verbos amar e educar se confundem e muitas vezes esbarram em outros verbos não tão românticos, mas tão necessários quanto, o lutar, para que o transformar saia do papel de verbo e vire realidade dentro do verbo sonhar. Sonhar que na educação sempre haverá flores.
Com afeto,
Jacqueline Caixeta