Como o caso da Fosfoetalonamina explicita as carências da cultura científica no Brasil e os impactos disso no desenvolvimento de novos medicamentos e tecnologias.
Yolanda de Freitas Assunção
Nos últimos meses, mesmo em meio a crise política e econômica que atinge o Brasil, outro assunto movimentou as conversas e mídias: o uso e distribuição da fosfoetalonamina. Conhecida como “pílula do câncer”, o composto sintético é produzido desde os anos 80 pelo professor aposentado da USP, Gilberto Orivaldo Chierice. O químico, que atuou como docente do Instituto de Química de São Carlos, produziu e distribuiu as pílulas por conta própria e gratuitamente durante os últimos 20 anos. Contudo, foi em 2015 que a questão movimentou de forma mais intensa não só a comunidade científica, como também a mídia, a população e a justiça.
O que chama atenção no caso é o descompasso entre a ciência e outros setores, inclusive a Universidade. Recentemente, a USP informou que não tinha condições de realizar os testes necessários ou de produzir a pílula em grande escala. Já a Anvisa informa que, como medicamento – de acordo com a definição da própria agencia – o composto não possui registro ou a documentação necessária para tal finalidade. Entretanto, em entrevista concedida a uma afiliada da Rede Globo, o professor Gilberto Chierice informa que procurou a Anvisa e outros institutos de pesquisa para realizar os testes necessários. O pedido foi negado, entre outros motivos, porque o grupo de pesquisadores responsáveis não pretendia abrir mão da patente do produto.
Neste cenário, percebe-se hoje, uma batalha entre vários grupos e instituições a sobre como lidar com a droga. O caso já foi parar no Supremo Tribunal Federal mais de uma vez, com ações movidas por pacientes e também pela Universidade. Por fim o STF tomou decisões diferentes nas ocasiões, nem sempre considerando todas as particularidades da ciência, desde a hipótese do pesquisador até a popularização do medicamento, passando por cada etapa de testes e pelo desejo popular. Da mesma forma, inúmeros veículos de comunicação tentam ‘explicar a polêmica’, deixando inúmeras lacunas.
Não é possível exigir que jornalistas, juízes, administradores, políticos e pacientes dominem e conheçam cada etapa do processo científico, mas é possível observar como nossa cultura científica deixa a desejar quando o assunto são os protocolos básicos. Apenas no final do ultimo mês o Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação se mobilizou em torno do assunto. A formação de uma equipe e a disponibilização de verba promete adiantar o processo de testes e registro para que a fosfoetalonamina alcance os pacientes de maneira segura e eficaz, se este for o caso.