Viajando com as “As rosas que o vento leva…”, de Xandra Lia

Evelyn Orlando

Muito despretensiosamente, comecei a ler o livro de Xandra Lia, As Rosas que o vento leva, como uma leitura leve, de férias, guardada na bagagem desde o dia em que chegou em casa como um presente de Natal da amiga e autora. No turbilhão de um semestre a todo vapor e, em plena pandemia causada por um vírus que nos confinou ao isolamento social, a possibilidade dessa leitura em um momento mais calmo me trazia certo conforto por ser uma outra forma de estar com uma amiga.  

A literatura soava como uma possibilidade de viagem nesse momento em que não podemos viajar. E foi exatamente isso que aconteceu. Embalada pela escrita de Xandra Lia, deixei-me levar à África, ao Brasil de tempos longínquos, ao Brasil de hoje, conduzida pelas mãos e vozes da tia Rosa e da sobrinha que contava histórias de outros tempos e outras gentes. Senti com elas suas dores, seus medos, sua solidão, seu vazio, mas também sua esperança, seu renascimento, sua luta e seu legado. 

Suas histórias, aparentemente, tão longe das minhas como menina branca e de origem italiana, poderiam ter chegado a mim dessa forma, com vida ou muitas vidas. Até porque nossas histórias nem são tão distantes assim, já que minha família pertencia ao subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Geograficamente, o espaço que eu ocupava era o espaço que muitas pessoas negras ocupavam. As ruas de Pilares não eram brancas. Ainda que, em tempos e de formas diferentes, compartilhamos da posição de viver às margens. No entanto, na minha infância, pouco convivi com pessoas negras, pouco soube sobre elas e suas histórias. 

Demoramos a aprender sobre a escravidão na escola e, quando aprendemos, soa quase como um acontecimento, sem marcas, sem rostos, sem nomes, sem o vermelho do sangue que, de um modo muito cruel, é a cor que colore essa história. A cor aí em questão não é o preto dos africanos, mas o vermelho dos crimes cometidos contra um povo violado, de muitos modos, em seu direito de existir. Penso que, se essa história fosse contada, assim, nas escolas ou nos tantos espaços onde contações de histórias acontecem, talvez pudéssemos educar as sensibilidades para lidar com as diferenças de modo mais humano. 

É preciso mudar os sentimentos do mundo, se quisermos combater crimes como o racismo. Ele é a materialização de sentimentos de superioridade, anulação, perversidade, arrogância, pretensão, opressão em relação ao que se estabelece como “outro”. Esses sentimentos produzem insensibilidades que ferem, negam e roubam a existência de pessoas como Luisa, Francisca, Antonia, Rosa, e outras tantas rosas que o vento tem levado… 

A história de Xandra Lia tem nomes, tem gentes, tem muitas outras histórias que mostram que, de algum modo, estamos todos conectados. Por que não as ouvimos? O livro, de narrativa leve, porém denso, aborda temas fundamentais à nossa formação como seres humanos. Não traz a ilusão de que toda viagem é boa, ou apenas boa, como se não houvesse qualquer dificuldade e estranhamento quando se encontra o desconhecido, como se não houvesse medo e superação em nossas muitas travessias. 

Com tintas mais fortes e cores mais quentes e mais pulsantes, ele permite uma viagem com muitos percalços, mas também com muitos encontros e partilhas. Apresenta um Brasil pouco conhecido, com muitos protagonistas – homens e mulheres – todos autores de suas próprias histórias, cuja esperança por um mundo mais justo produziu modos de viver cheios de saberes, de crenças, de cultura do além-mar misturadas com o que encontraram aqui. É também uma aula, como toda viagem, com um conteúdo que dificilmente vamos encontrar nos livros didáticos de história das nossas escolas.  

Essa viagem junto com as rosas que o vento leva permite um retorno mais consciente sobre o modo como queremos ocupar o nosso lugar no mundo e é por isso que é uma história que deveria ser contada às nossas crianças.

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