Lucas Dias Souza
A dança é uma condição natural do ser humano. Para onde quer que se olhe, um funk, valsa ou frevo são estopins para o inevitável bater de pés, rebolado ou balançar cabeça. É a localização da humanidade entre a linguagem e o corpo. É o bulir do balangandã; uma onda colorida que se cria por necessidade de criar. Acontece por insistência do pensamento de se apresentar.
A dança não é uma linguagem, nem um corpo, nem uma gramática, nem um pensamento. É o enfeitiçar de um corpo para que se realize o pensamento (divino) através de certa gramática e mediante o limite da linguagem. Ao contrário da condição da palavra, na qual se considera que a linguagem é limitada pela gramática, dançando se utiliza de uma gramática do instante, que obedece à linguagem imposta.
Deve-se levar em consideração que, se depois do pão, todo circo exige seu rebolado, seu balacochê, seu marcaje, então a dança é universal. Logo,
- O que é: a ânsia pela eternidade, o repúdio à transformação, dando lugar à realização do pensamento.
- Para que a realização ocorra, sua universalidade é subtraída pela singularidade da linguagem na qual é executada, bem como da gramática que sabe o corpo dançante.
Outrossim, explica-se que a dança não transforma o pensamento noutra coisa palpável, mas realiza; tal qual Luiz Gonzaga, que nunca transformou amor em música, mas que amou “Numa Sala de Reboco”, junto de José Marcolino.
Todo tempo quanto houver pra mim é pouco
Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco
Todo tempo quanto houver pra mim é pouco
Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco
Enquanto o fole tá fungando, tá gemendo
Vou dançando e vou dizendo meu sofrer pra ela só
E ninguém nota que eu estou lhe conversando
E nosso amor vai aumentando
Pra que coisa mais melhor?
Todo tempo quanto houver pra mim é pouco
Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco
Todo tempo quanto houver pra mim é pouco
Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco
Só fico triste quando o dia amanhece
Ai, meu Deus, se eu pudesse acabar a separação
Pra nós viver igual a dois a sanguessugas
E nosso amor pede mais fuga do que essa que nos dão
Todo tempo quanto houver pra mim é pouco
Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco
Todo tempo quanto houver pra mim é pouco
Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco
Linguagem: forró. Não se pode dançar forró como quem dança tango. A gramática é do amor, mas diferente em cada corpo e limitada pelo toque da zabumba. Todavia, o pensamento não é fraturado como no caso da palavra, já que não há preocupação para com a forma correta de imprimir o pensamento. Breviário:
- A gramática é a forma, dentro da linguagem, utilizada pelo corpo para realizar o pensamento.
- Palavra: fragmentação do pensamento. Toda regra tem uma exceção.
- Dança: alargamento do pensamento, toda regra é uma exceção.
O xique-xique de Gonzagão, igualmente apaixonado ao de Alceu Valença, é também inteiramente diferente. Entretanto, ambos podem ser identificados como xique xique.
O ideal é irrealizável para todos os casos.
Todas as formas de dançar “Numa sala de Reboco” se direcionam à Ideia do amor, mas o amor não se apresenta de uma única maneira. Para o luto, Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito.
Em Mangueira
Quando morre um poeta
Todos choram
Vivo tranquilo em Mangueira porque
Sei que alguém há de chorar quando eu morrer
Mas o pranto em Mangueira é tão diferente
É um pranto sem lenço
Que alegra a gente
Hei de Ter um alguém
Pra chorar por mim
Através de um pandeiro e de um tamborim
Àqueles habituados com um acomunado luto estranham, diante da morte, um pranto alegre. No entanto, se a dança é uma demonstração do pensamento, através de um pandeiro e de um tamborim não apenas se lamenta a morte do poeta; lembra que viveu; celebra que viverá. Luto é tristeza, mas o bambambã do samba não trata a tristeza como trata o gringo sem bamboleado. O pensamento insiste na verdade, mas só se cauciona o pensamento dançável.
Sobre o autor
Estudante do CEFET-MG no curso de Engenharia Eletrônica.
Imagem de destaque: Galeria de Imagens