_ Obrigada!
_ …não dissi tudu aina. Qui pressa!
_ Certo…certo! Quero ouvir mais. Quero ouvir tudo!
_ Gulentosa! Tudo é dimais… ô nada, né?
Aqueles olhos tomados pelo amarelo das carências assaltavam-me em circularidade e grau. Total. Não conseguia deslizar para fora da pele murcha. Dos andrajos majestosos de rainha e guerreira. Tinha tantas perguntas! Nenhuma suficiente. Incapazes de carregar o bojo daquele fato. Um ato de bravura. Ciência. Política. Estética crua.
_ Eu gostu di palavras. Elas cuchicha cumigu dia i nôti! Faiz cóssgas nas buchecha. Ispremi meu nariz. I é pur isso qui pidu umas pratinha. Pratinhas por palavra.
_ Será que esse seu bordão não deveria ser “uma moeda por um poema”?
_ Num sei fazê poema… sei cunversá c’as palavra que vêm cheganu…cheganu… elas sempre tão cheganu. Inté palavras istranha.
_ Diferentes?
_ Nada… qui nunca oví antis.
_ Assim como…
_ Qui ninguém mi dissi, craro! Cê tem dificurdadis, hem?
_ Muitas!
As risadas atravessaram o tempo. Parado. Olhando de fora. Recortando os verbos empilhados a esmo sobre a tábua de passar. Passamento. Passatempo.
_ Naum passu! Tiru elas das fila, tendi? Palavra num podi ficá parada, dá mofo. Intãum, disabu im poesia.
_ Entendo. Eu acho…
_ Acha nada! Elas qui acha a genti.
_ É! Parece…
_ I, tamém, num podi acolocá tudo ao sor. Tendeu?
_ … tentando!
_ Pois intãum, eu sô a tauba… tauba di expunhá palavra.
Ri alto. Rica! Momentaneamente rica! Alçada pelos cabelos. Vísceras linguísticas tombadas sobre a mesa. Emoções em cataratas. Do Iguaçu, em período de cheia. A língua tem bordas e farpas. As linguagens, pontes e feltros. Cola quente saía dos poros daquela mulher. Mirrada. Carcomida pelas ausências. Dependências. Colava as vibrações odorantes da língua e das linguagens. Muitas. Todas. Da vida e da morte. Do mundo e da sorte. Entendimentos dobrando sinos. Hemingway empunhara paixões. Ela, a lâmina fina das lágrimas urdidas no lácio estético da epiderme. Estômago laico. Boca santa. Coração sem eixo. Sinos e bovinos em pátio só. Almas e palmas. Armas e fraldas borrando o asfalto.
A espada fora depositada sobre a mesa. Deitada, assim, deixava ver as tentativas de corte e cola. Pedaços de letras. Escritas. Furos e dobras. Recortes e amassamentos. Limites de um desenho limado pelo corpo. Quente. Sólido em sua magreza macilenta. Equação consorte. Lívida política social dos apagamentos. Por fomes, por medos. Pobres dos desatentos! Morria-se, a cada dia, em lentidão calculada. Controle da indiferença. Via a menos. Corrupção a mais.
A “barrigudinha” permanecia intacta.
_ Você não irá beber?
_ Num bebo, mulé! Só adistribuo di prêmu!
_ Para quem?
_ Pras palavra. Quandu a nôti chega, elas si arrecolhi pra di dentru di minha cabeça. Intãum, é hora di apremiá as porbezinha.
_ E… você não quer comer alguma coisa?
_ Arguma coisa num é di comê, mulé! Eu só comu di manhã. Pra não acostumá mar essi corpu secu. Vai qui pedi mais?
Ela ria do trocadilho como se o mundo inteiro coubesse ali: na compreensão do humor solto. Urro à resistência. Murro na resiliência, essa malformada metáfora da aceitação.
_ Ô, dona? Meu corpu pedi arma.
_ …
_ Si as sola dus pé tá macia, macia dimais, a arma num tem calejus.
_ Ah!
_ Si us carcanhá tá nu arregassu, grossu di chujêra, elis cria cascu na arma tamém. Cumprieendi?
_ Você fala do espírito… da…
_ Da arma dus homi sem arma. Sacô?
_ …
_ Tava pensanu na ôtra, né? Nas armadia daquelis bandidu … us bandidu qui tão nu poder, né? Né?
_ É! Exatamente.
_ Nasci nas curva das mintira, mulé. Mintira c’os homi cria. Só prá tê poder. Ganança. Cê vota?
_ Sim! Claro! Voto sim!
_ Vai votá ni mim?
_ Em você? Eu…
_ Sô candidata! Meu sangui, minha bandera. Minha ispada corta orêa!
_ Imagino!
_ Magina, naum., mulé! Cê tá’í… eu tô aqui. Sou tauba…só minha poesia sarva o dia.
_ Sim, eu posso…
_ Podi? Podi votá ni mim?
_ Posso!
_ Intão, iscrevi aí minhas letra: …
Enquanto falava, atravessou a espada de papelão sobre o peito murcho. Olhos brilhando com lucidez magnética. Vítrea. Férrea. Arrepiei-me como se vultos invisíveis arrastassem unhas sobre minha pele eriçada. Viração nas entranhas. Ela abria o meu interior. Sem chave. Sem reza. Sem vacilo. Nua, senti o frio do mundo. Pontiagudo. Urgente. A maquiagem obscura e criminosa do sistema atual craquelando-se bem ali. No espaço de um quase-lugar de fato. Dos fatos.
Queria dizer para a amazona que eu sentia. Sentia as garras das fraudes que nos envolviam. Os espinhos ignotos que subiam por debaixo da mesa tensionando as galochas descalças. Mito e pecado. Sísifo em astúcia e rocha. Correntes ideológicas. Crenças e corrupções. Apartheids. Tentei alcançá-la. Arguta, a espadachim das palavras mantinha-me longe. Suplicante, soletrei clemência.
_ Tem “santinhos”, por favor!
_ Santos não há. Os que existem são homens. Homens de gravata. Colarinhos. Pastas. Rachadinhas. Maus. Violam leis. Crianças. Armam o povo para dividir a força. Sacrílegos. Fascistas. Usurpadores da vida.
_ Eu…, mas, voc… você…
_ Vota ni mim?
_ V… voto! Voto em você… por mim.
_ Cê tá cum pobremas, mulé!
À mostra, a gengiva montanhosa liberou gargalhada limpa. Translúcida.
_ Ei! Seu nome, por favor!
_ 1+3
_ São … numerologia?
_ Pitágoras.
_ Mas…
_ 3331
Engoliram-na, a Contorno e suas esquinas. A paladina do cimento consumiu-se em poesia. Eu, volto lula. Preciso dizer a ela que sustentei o meu voto. Por mim, por outros e outras. Desejo as esquinas vazias de fomes. De gentes secas de peito e escola. Desejo!
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