Um domingo no bosque com as crianças da ocupação Dandara

Fernanda Martins
Larissa Maria Santos Altemar
Luciana Maciel Bizzotto
Coletivo Geral Infâncias

O ano de 2022 tem marcado o Coletivo Geral Infâncias (CGI) pela desaceleração. Na contramão do que todas as integrantes têm vivido em suas vidas pessoais e laborais, para esse ano, propomo-nos caminhar mais lentamente. Com isso, a frente de trabalho nomeada Escuta das Crianças procurou organizar um encontro com as crianças da ocupação Dandara que nada mais fosse que um espaço de escuta fluida e respeitosa permeado pela linguagem mais potente na infância: o brincar.

Nosso objetivo era organizar um espaço para escutar os desejos das crianças que estão conosco, entendendo-as não como receptoras das nossas ações mas sim como coparticipantes dos encontros entre o CGI e as crianças da ocupação. Nesse sentido, ampliamos nosso ritmo mais cuidadoso não só para nossos trabalhos internos mas também para nossos encontros com as crianças.

Partimos do princípio que as crianças sabem o que querem e, em um contexto de privação de muitos direitos básicos, elas precisam, para seu bem estar, de motivação e de alegria. Nosso compromisso com a comunidade é sermos parceiras desses desejos.

Para isso, no final de julho, algumas integrantes do Coletivo andaram pela ocupação e se sentaram em uma das avenidas para conversar com as crianças. Fomos guiadas inicialmente pelo olhar da Fernanda, moradora da ocupação e idealizadora de um projeto voltado para as crianças no território.  Nesse encontro percebemos as brincadeiras espontâneas, ouvimos sobre as brincadeiras que as próprias crianças inventaram e, sobretudo, reiniciamos uma aproximação para que elas pudessem dizer onde e quando poderíamos nos juntar a essas e outras crianças para brincarmos e pensarmos juntas outros lugares e ações que gostaríamos de organizar.

Nesse encontro improvisado com algumas crianças ainda de férias escolares, foi mencionado um espaço da ocupação que ainda não conhecíamos: o bosque. Para quem mora na Dandara, quando pensam em um ambiente aberto, repleto de natureza, água, bichos e árvores para as crianças brincarem, logo vem à cabeça o bosque, que fica ali próximo à ocupação. Assim ficou decidido que nosso próximo encontro seria nesse lugar, onde brincaríamos, conversaríamos e faríamos um piquenique.

Num domingo de sol e calor, um grupo animado de integrantes do Coletivo chegou à Ocupação e fizemos as compras para o piquenique. Ao nos aproximarmos do local de encontro com as crianças, uma delas foi a responsável por nos levar até o bosque.

Comemos bolo, pão e tomamos suco embaixo de uma árvore que nos abrigou do calor em todo o encontro. Mas logo a peteca, a corda e a bola nos convidaram para junto com as crianças ampliar nossa inserção no espaço.

Entre idas e vindas estivemos com 20 crianças, algumas acompanhadas das mães, que também aproveitaram aquele momento e observavam enquanto seus filhos brincavam livremente de brincadeiras inventadas por eles mesmos ou de pular corda, ou subiam em árvores. Após cerca de uma hora de brincadeiras, regadas de risadas, movimentos e disputas de espaços, fizemos uma grande roda para ouvir: o que as crianças gostaríamos que fizéssemos juntas? Onde mais poderíamos ir?

Apostamos na ideia de que tudo poderia ser dito e esse era um local seguro para compartilhar suas vontades. As crianças foram para onde a imaginação as levava, assim como enquanto brincavam minutos antes. Não tinha restrição de idade, todos podiam compartilhar seus sonhos e desejos uns com os outros.

Com essa conversa ouvimos: ida ao cinema e teatro, Parque Guanabara, Serra do Curral, ida ao CRJ (Centro de Referência da Juventude), Zoológico, brincar de capoeira, esconde esconde, pega pega, soltar papagaio, entre outros.

Essa lista nos mostra por onde as crianças desejam circular, quais seus interesses e também as brincadeiras que podem estar presentes nessas visitas e em outros tantos momentos de lazer. Mas além desses dados importantes para continuarmos a produção e a logística dos encontros e as novas escutas com crianças, nosso piquenique brincante renovou nossas energias, nossas forças e nossa imaginação.

Consideramos que viver esses momentos de presença e disponibilidade ao lado de uma ou mais crianças é muito importante para relembrar as crianças que seus desejos são importantes, estimulá-las a organizar e expressar suas vontades e convidar todos os adultos presentes a fazerem o exercício de ouvir e compartilhar as decisões com as crianças. Nós do Coletivo temos experimentado como viver esses momentos ao lado das crianças, importante para despertar também a criança que existe em nós.


Sobre as autoras
Fernanda Martins é uma mulher de luta, mãe e moradora da Ocupação Dandara. É também fundadora do coletivo Juventude na Ocupa, integrante do Coletivo Geral Infâncias e militante pelas Brigadas Populares.

Larissa Maria Santos Altemar é Assistente Pedagógica no Memorial Minas Gerais Vale, mestra em educação, especialista em direitos humanos, graduada em pedagogia e teatro e uma das fundadoras do Coletivo Geral Infâncias.

Luciana Maciel Bizzotto é pós-doutoranda pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, pesquisadora colaboradora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Infância e Educação Infantil da Universidade Federal de Minas Gerais, integrante do Coletivo Geral Infâncias e militante pelas Brigadas Populares.


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