Tú te tornas eternamente responsável por aquilo que consomes: contextualização didático-pedagógica sobre lugares e paisagens

Vagner Luciano de Andrade
Fernanda Aparecida Peixoto*

Vende-se uma encantadora propriedade nas áreas mais abençoadas da região. Lá, diante da mais bela paisagem, se pode ouvir o canto dos pássaros, que revoam sobre o perfume do arvoredo. Cortado por um majestoso riacho de águas cristalinas, as terras são tão férteis quanto a imaginação das crianças, que por ela correm felizes e cheias de sonhos. A casa diariamente banhada pelo sol nascente é simplesinha, mas muito bem cuidada por uma família zeladora. Quem comprar esse sítio poderá além de tudo, gozar da alegria de admirar o pôr do sol sentado em sua varanda, que é acolhedora e inspira a reunião de parentes e amigos, para uma prosa agradável ao som de uma viola e aquele cafezinho. Quem comprar esse sítio será uma família próspera e feliz, pois terá um sítio que é um pedacinho do céu. (Boletim Cultural e Memorialístico de São Tiago e Região – Abril de 2018)

Quando consumimos produtos, estamos consumindo um lugar. No tempo presente, atividades e objetivos socioeconômicos devastam lugares e paisagens destruindo laços afetivos. Eis uma problematização pedagógica integrada para as áreas de Ciências, Geografia e História. Em 15 de outubro de 2014, a mineração já havia avançado sobre a serra da Tapera, localizada entre Desterro de Entre Rios e Piracema, a 160 km da capital mineira. E eis que o Lugar, local de laços cultivados e de seres cativados foi devastado em nome do capitalismo perverso. A partir da História do Pequeno Príncipe, este texto busca evidenciar a existência do lugar imaginário, enquanto lugar ideal para a pretensa felicidade.

Lugares contam histórias através de suas paisagens e marcos simbólicos. Quando o ensino se baseia na questão de contemplação da paisagem e da natureza, se discute o modelo societário que vem danificando os lugares condenando-os à inexistência ou degradação. Trata-se de histórias pessoais de vida, no qual as localidades de origem, aqui em Minas Gerais, são devastadas pela mineração e não existem mais, perdendo-se no imaginário social e desfazendo-se no tempo e no espaço. A Geografia, através da Percepção evidencia isso por meio dos conceitos de Topofília (identidade/pertencimento), Topofobia (aversão/medo) e Topocídio (assassinato do lugar/sua devastação).

A paisagem local denuncia as vítimas da mineração, esta força esmagadora que se torna sinônimo do estado onde nascem e residem os mineiros. Um lugar predileto se esvai no esquecimento e na decepção. Contempla-se os próprios mistérios interiores ao se relembrar a dor do lugar que se foi. Como o sol finda no horizonte oeste, a paisagem foi engolida pela força da mineração. Não há mais cerrado nativo na serra, nem nascentes de águas cristalinas. As casas dos poucos camponeses encontram-se vazias. Lugar-mãe onde nasceu a verde esperança se esvai. Um lugar, simbolicamente um asteroide pequeno. Uma rosa para se orgulhar e uma amiga raposa a cativar. Este lugar chamado Tapera se foi para aquilo que Heloisa Penteado chamaria de Reino Perdido do Beleléu, em seu famoso livro.

Assim nas Minas Gerais, paisagens estão sendo destruídas em nome do consumo exacerbado. Lugares são consumidos em nome de um consumismo realocado. Vários processos societários se intensificaram após a Revolução Industrial delineando perspectivas assustadoras para a vida no Planeta Terra.  A sociedade de consumo é extremamente impactante ao Meio Ambiente, sendo que a produção e oferta, excedem a demanda por determinados produtos saturando o mercado e demandando por matérias primas. Desta forma é extraído da natureza, recursos naturais, tanto renováveis, quanto não-renováveis, além do que é preciso, desrespeitando a capacidade de suporte dos ecossistemas naturais, levando a exaustão dos mesmos, comprometendo muitos ciclos naturais, gerando mais resíduos a serem descartados de forma irresponsável, incorreta e, portanto, criminosa, acarretando poluição, morte de inúmeros animais e perda da qualidade de vida.

Um dos grandes problemas da sociedade de consumo é a obsolescência programada de muitos produtos, obrigando o comprador a trocar por um mais moderno, levando ao um ciclo interminável, onde a cada item comprado para estar na moda leva ao descarte do antigo, contribuindo para a geração de mais lixo e mais poluição do meio ambiente. E quem pensa que lixo é apenas uma preocupação exclusiva do campo ou das cidades, engana-se, pois há ilhas de lixos em circulação nos mares e oceanos, comprometendo a biodiversidade marinha, bem como lixo espacial decorrente de sondas, foguetes e satélites. São as consequências da sociedade do ter (competição) em detrimento da sociedade do ser (cooperação), e que precisa ser problematizada pedagogicamente.

Por mais que a destruição ecológica tenha se efetivado, este lugar ainda existe no âmago dos seres que o conheceram, como um paraíso interior para onde se recolhem buscando renovar as forças e continuar no jogo do ter versus ser. Suas fotos de destruição são a energia motivadora de indignação desta violação contra laços cativados e lugares herdados. Este processo criativo eterniza sentidos, sentimentos e significados em reconstrução.

PARA IR ALÉM

Boletim Cultural e Memorialístico de São Tiago e Região

No Reino Perdido do Beleléu – Maria Heloisa Penteado

O Pequeno Príncipe – Antonie de Saint Exupery

 

*Educadora camponesa da Tapera, Desterro de Entre Rios – MG. Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES (Estado de São Paulo) e discente do Curso de Especialização em Gestão Ambiental e Educação da Universidade Estácio de Sá – Campus Belo Horizonte (Estado de Minas Gerais).


Fotografias – Fernanda Aparecida Peixoto

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