Trabalho infantil e ensino remoto:a pandemia agrava a violação de direitos de crianças e adolescentes

José Heleno Ferreira

Lucas Ferreira da Silva*

– Professor, tudo bem? Vou enviar todas as atividades essa semana,ok?

– Claro. Mas você não me respondia, eu fiquei preocupado. Você não faltava às aulas…

– É que a coisa ficou feia aqui em casa e tive que arrumar um servicinho. Tô ganhando um dinheirinho e aí vou comprar um celular pra fazer as atividades. Eu to usando o da minha vó.

E a conversa fluiu por um bom tempo. Contou com empolgação do que estava fazendo e como era seu trabalho. Trata-se de um garoto de apenas 12 anos, ajudando num trabalho na área de confecção, o que o retirou do estudo remoto.

O trecho aqui reproduzido é parte do diálogo entre um professor da educação básica – rede pública de ensino, em Divinópolis MG – e um adolescente, que justifica o fato de não estar fazendo as atividades pedagógicas por estar trabalhando. Muitos outros diálogos poderiam ainda ser reproduzidos, inclusive aqueles em que meninos de 14 anos de idade alegam estar com “dor de cabeça e febre por causa do trampo” numa fábrica de panelas.

Ironicamente, essa conversa se deu no mesmo dia em que aquele que ocupa o cargo máximo do país exaltou o trabalho infantil com bordões do senso comum, desprovidos de pesquisa e estudo. Aliás, pesquisas e estudos, que a presidência da República insiste em desconhecer, existem em sentido oposto, mostrando como o trabalho infantil é prejudicial e inadequado. Além do não reconhecimento ou da negação das evidências expostas por trabalhos acadêmicos e levantamentos socioeconômicos, o governo parece desconhecer também a legislação brasileira que proíbe o trabalho para crianças e adolescentes menores de 17 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos – embora as pesquisas mostrem que no Brasil, cerca de 2,7 milhões de meninos e meninas vêm perdendo sua infância por se verem obrigados e obrigadas a se dedicarem ao trabalho, muitas vezes, em condições insalubres.

No ano que o Brasil celebra o trigésimo aniversário da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a realidade mostra-nos o quanto ainda é preciso caminhar para que os direitos da infância sejam efetivados. De acordo com o artigo 4º do Estatuto, que reproduz o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 que estabelece o princípio da proteção integral da criança e do adolescente,

é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Sabemos o quanto ainda estamos distantes de alcançar o que determina a legislação. Os números estão disponíveis no universo da internet para serem consultados. A constatação óbvia está escancarada ainda mais pela pandemia. Nossas crianças e adolescentes foram jogados ao trabalho, para ajudar em casa nesse momento trágico em que o Estado se faz omisso. Relembrando Hannah Arendt que afirma que a educação é o ponto em que decidimos se amamos de fato nossas crianças ou se as abandonamos ao mundo, afirmamos que uma sociedade, uma nação que não protege os mais vulneráveis já não é mais humana – caminha para a barbárie.

Essa brutal realidade, que há alguns anos vinha sendo combatida através de programas sociais e políticas públicas, volta a ser naturalizada por boa parte da sociedade que não vê problemas na exploração da força de trabalho de crianças e adolescentes. O Ministério Público do Trabalho vem alertando sobre essa realidade e essa naturalização da percepção de que trabalhar é algo positivo para a educação de crianças e adolescentes. Senso comum, experiência pessoal de uma realidade de anos atrás que não se aplica aos novos tempos, tem feito com que a perpetuação de realidades cruéis e cada vez mais excludentes dos mais pobres sejam vistas até mesmo como solução para melhorar as finanças de casa. A falta de campanhas que mostrem a realidade e o quanto o Estado devia assumir educação para todos os filhos do país, invisibiliza o debate, não expõe o real problema do sistema que perpetua realidades paradas no tempo, mas sorrateiramente adaptadas ao mundo novo. São “Vidas Maria” em cada esquina, em cada fábrica, em cada chão de fazenda nos quais os pequenos trabalhadores são figuras cada vez mais comuns.

Em tempos de aulas presenciais suspensas e economia familiar em queda, aliada à ausência conivente do Estado, soluções emergenciais devem ser propostas, pressionando o poder público e uma ampla corrente de conscientização social de proteção às nossas crianças. Não é possível mais pra adiar o que era imprescindível não existir nunca.

 

* Licenciado em História,  professor nas redes  públicas municipal e estadual de ensino em Divinópolis


Imagem de destaque: II Marcha de Belém Contra o Trabalho Infantil realizada no Pará. 02/03/2020. Foto: Bruno Cecim / Ag.Pará

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