Cidadania é um vocábulo que faz referência à figura do cidadão o qual só tem existência concreta no âmbito do Estado. As relações de mutualidade entre indivíduo e Estado constituem o fundamento da cidadania e a participação no direcionamento da sociedade política constitui seu aspecto essencial. É a sua dimensão restrita a qual leva em conta apenas os Estados dirigidos de modo democrático que caracteriza verdadeiramente a manifestação da cidadania conforme encontra-se registrado no desenrolar da história. Nos regimes não democráticos é mais coerente substituir o cidadão pelo citadino, o habitante da cidade, ou pelo súdito, o cumpridor das leis impostas a todos.
Vale realçar que a indissociável dupla democracia e cidadania tem um ponto de origem que conta com alguns séculos de existência. Há mais ou menos quatrocentos anos antes de Cristo o filósofo grego Aristóteles asseverou que um país pode ser governado monarquicamente, isto é, por apenas uma pessoa, aristocraticamente, ou seja, por um grupo minoritário ou democraticamente através de um conjunto majoritário de indivíduos dotados das prerrogativas da cidadania. Assim sendo, possuem a legitimidade necessária para debater e decidir sobre questões pertinentes à dinâmica do Estado.
Nesta época, na cidade Estado de Atenas as decisões políticas eram tomadas por uma assembleia, de forma direta, através do ato de levantar a mão, sem a presença de intermediários. Qualquer cidadão tinha o direito de se pronunciar e votar, independentemente de seu nível de instrução, de sua situação econômica e de sua posição social. Observe-se, entretanto, que apesar do vigor democrático aí existente, as mulheres, os imigrantes e os escravos não podiam participar das assembleias.
Herdeiros da concepção política grega, os romanos construíram um sistema político dual, pois inseriram uma dimensão oligárquica à democracia, haja vista o fato de admitirem que o poder se encontrava no povo porem a autoridade residia no Senado. Durante um bom tempo o Senado deteve a prerrogativa de anular decisões emanadas das assembleias populares, entretanto uma lei promulgada em trezentos anos antes de Cristo a eliminou. Esse povo reunido em assembleias debatia assuntos de interesse comum e tomava as decisões pertinentes. Porém, a contabilização dos votos era grupal e levava em conta os conjuntos de habitantes detentores de propriedades privadas similares o que certamente beneficiava os mais abastados. Periodicamente havia eleições nessas assembleias para a escolha de questores, edis, tribunos militares e da plebe.
O Renascimento, lapso que abrange os séculos catorze, quinze e dezesseis, pode ser considerado o período em que a concepção moderna de cidadania começou a ser germinada. Esta germinação teve por base o Direito Romano que preconizava a liberdade como o mais importante dos direitos. Nesta época institui-se em Florença, cidade-estado localizada ao norte da Itália, uma república oligárquica cujo poder encontrava-se centralizado nos níveis mais altos da burguesia e das tradicionais e poderosas famílias a ela ligadas. Entretanto, havia um poder legislativo que tinha por tarefa aprovar leis através da maioria de dois terços. Composto por duas assembleias, ou seja, pelo Conselho do Povo e pelo Conselho da Comuna, seus integrantes eram escolhidos pelo voto e a cada quatro meses acontecia uma renovação. Havia ainda assembleias extraordinárias tal como a Popular, convocada em tempo de guerra ou períodos de graves conflitos internos.
Marco de realce para a democracia e a cidadania foi a Revolução Inglesa no século dezessete. Esta primeira revolução burguesa da história, produtora do primeiro país capitalista do mundo não incidiu apenas na dimensão econômica. A instauração do Parlamento e da Monarquia Constitucional de cunho liberal, inicialmente de modo violento e posteriormente de forma conciliatória comprovam o avanço rumo à dimensão política. As mudanças radicais na política aconteceram graças às contribuições de Hobbes e Locke. Hobbes propôs a tese do Estado-Leviatã, o único capaz de impedir a luta entre todos os homens e garantir proteção a eles. Locke, por sua vez, divergindo de Hobbes, defendeu a ideia da fragmentação do poder político estatal em três partes: poder legislativo, poder executivo e poder federativo. Expôs também a concepção de que os indivíduos possuem naturalmente os direitos à vida, à liberdade e à propriedade. Apesar desse grande avanço político não pode deixar de ser mencionado que o poder político liberal até o término do século dezenove esteve associado à posse de bens materiais. Assim sendo a cidadania liberal revelou seu caráter desviante e separador de cidadãos possuidores e não possuidores.
Outro marco importante foi a Revolução Americana ocorrida no século dezoito. Esta revolução emergiu devido a determinados antecedentes provocadores dentre os quais pode ser mencionado como bastante significativo a decisão da Inglaterra em promulgar leis restritivas à vida econômica de suas colônias do Novo Mundo. Após libertarem-se da Inglaterra os americanos elaboraram uma Constituição que instituiu os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, sendo o primeiro considerado o mais relevante pela sua capacidade de barrar o personalismo dos governantes. Tendo em vista reforçar a garantia de direitos e da liberdade individual os constituintes aprovaram um conjunto de emendas relacionadas à liberdade de expressão, direito de portar armas, garantia de julgamento público com júri, etc.
Apesar de os americanos terem criado um sistema democrático ímpar na época da independência, ele apresentava a particularidade da exclusão, pois os homens pobres e as mulheres não possuíam o direito ao voto. E contraditoriamente, em meio à forte valorização do individualismo e da liberdade, continuavam comungando a ideia de que a escravidão era uma instituição válida. Portanto, de modo similar à Inglaterra, os americanos estabeleceram uma cidadania de caráter liberal e um regime democrático garantidor de privilégios à uma minoria uma vez que ele impedia a participação do segmento majoritário da sociedade nas decisões políticas.
A terceira revolução burguesa, ocorrida na França, também no século dezoito, teve a mesma importância para a cidadania e a democracia que as duas antecedentes. Esta revolução apareceu em meio a uma conjuntura peculiar. Os elementos que dela fizeram parte foram a transformação dos meios de produção decorrente do surgimento do novo maquinário, a divulgação relativa à possibilidade de ser criada uma sociedade da abundância, justa, igualitária, pacífica, harmônica, fraterna e integrada por indivíduos felizes, a disseminação da ideia de que os homens nascem iguais, a vigência do regime absolutista monárquico, a vida opulenta e ociosa dos nobres, os dias difíceis passados pela agricultura, a fome e a miséria do povo, o crescimento dos conflitos nas ruas e o início de insubordinação na força armada.
Imagem de destaque: Escola de Atenas, 1509. Rafael. Vaticano
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